A opinião de ...

Obrigado, Otelo, apesar de tudo

Faleceu, na manhã do dia 25 de Julho pp. o Coronel Otelo Saraiva de Carvalho, comandante operacional do Golpe Militar do 25 de Abril de 1974, em Portugal, que derrubou o regime político do Estado Novo Caetanista, sucedâneo, em Setembro de 1968, ao Estado Novo Salazarista, ambos apelidados de «ditaduras», «fascistas» por alguns (Mário Soares, Fernando Rosas, Álvaro Cunhal), e apenas regimes autoritários, para outros (Adriano Moreira, Franco Nogueira, Jaime Nogueira Pinto), mas unanimemente reconhecidos como regimes políticos de natureza não democrática.
Otelo foi o comandante improvisado e de recurso para um golpe militar cujas principais cabeças e estrategas haviam sido presos, substituídos nas suas funções ou, mesmo, desterrados, em consequência da tentativa «spinolista» falhada de derrube do regime, em 16 de Março de 1974, e que quase comprometia a possibilidade de sucesso do golpe de 25 de Abril pela «decapitação» dos seus principais mentores. Otelo houve-se com grande inteligência e estratégia e, queira-se ou não, a direção do golpe foi dele e foi bem sucedida. E todos lhe reconhecem esse mérito, encobrindo, injustamente, os feitos de Salgueiro Maia, do Alferes Assunção, do Cabo Lopes e dos outros homens do respectivo batalhão na ação militar real.
A figura controversa de Otelo, que a história há-de esclarecer, emergirá a partir do dia 26 de Abril de 1974, com a sua nomeação para Comandante do COOPCON (Comando Operacional do Continente). Dele e de quase todos os militares revoltosos e triunfantes, sem preparação política e dirigente, sem formação nos negócios do Estado e, por isso, joguetes fáceis nas mãos da «intelligentsia» triunfante do Partido Comunista e das pressões da Extrema-Esquerda Revolucionária. Por isso, o historiador tem de apontar os feitos e os defeitos de Otelo mas contextualizá-los, compreendê-los e explicá-los como resultado da ignorância geral dos militares que, com atrevimento e temerariamente, assumiram funções políticas e as exerceram sob pressões intensas e ao sabor dos «ventos» da «rua», da Soeiro Pereira Gomes (PCP), de Moscovo, de Enver Hosha, da Albânia, e de Pequim.
A ação de Otelo revelar-se-ia desastrosa para o país pois, por culpa dele e da desordem instalada, a estrutura militar colapsou e foi necessário, em 12 de Março de 1975, criar uma outra estrutura, o AMI (Agrupamento Militar de Intervenção), na prática em substituição da comandada por Otelo mas mantendo esta como jogo de equilíbrios entre as figuras e marionetas do poder político-militar.
O General Costa Gomes, Presidente da República, tentava, quase em desespero, repor a ordem procurando conciliar o inconciliável. Na prática, conseguiu-o, quando oportuno, através de um golpe político-militar, em 25 de Novembro de 1975, com o qual conseguiu afastar Otelo, «democratizar» o PCP e isolar a Extrema-Esquerda, conseguindo ainda criar a ordem social e política suficientes para que os deputados à Assembleia Constituinte elaborassem e aprovassem a Constituição, de 2 de Abril de 1976, e convocar eleições legislativas para 25 de Abril, das quais saiu o I Governo Constitucional, empossado em 23 de Julho de 1976.
Neste processo, Otelo esteve ora do lado das forças democráticas ora do lado das da Extrema-Esquerda. Foi incoerente porque, como a maior parte dos militares, sem formação, tanto teórica quanto política. Passou à clandestinidade a seguir ao 25 de Novembro e foi até membro e dirigente de uma organização revolucionária armada, as FP25 (Forças Populares 25 de Abril).
Portugal teve a sorte de ter como Presidente da República um senhor chamado Francisco da Costa Gomes, o único militar com formação estratégica e política. Soube manter o rumo da democracia como bem poucos o souberam fazer. A homenagem que lhe é devida nunca foi feita.

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