A opinião de ...

Da ética

A percentagem que os partidos anti-sistema irão alcançar nas próximas eleições para o Parlamento Europeu é, provavelmente, a maior incógnita e, igualmente, uma das maiores preocupações dos partidos tradicionais. São várias as bandeiras empunhadas por estas novas formações que se situam nas margens extremas da política convencional, tipicamente à direita, mas também à esquerda. Desde o anti-europeísmo, passando pelo racismo (ultimamente muito suavizado o que o torna muito mais preocupante), pela xenofobia, pela recusa em abrir fronteiras a refugiados, mas sobretudo tentando fazer passar-se por agentes políticos diferentes dos conhecidos e decididos a inaugurar uma nova forma de fazer política, mais confiável, mais direta e, essencialmente mais ética. Basta olhar para as novas formações partidárias para perceber, de imediato, o esforço que desenvolvem para garantir aos eleitores que, com eles, acabaram-se os tempos das promessas irreais, dos compromissos eleitorais para esquecer no dia seguinte às eleições, numa palavra, chegaram para instaurar ética na política. E esta é uma mensagem que passa. É um tema transversal e tão básico que facilmente colhe níveis elevadíssimos de aprovação a rondar a unanimidade. É necessário banhar a política, com a ética! De tal forma que até os políticos mais convencionais, aqueles a que nos habituámos a ouvir promessas juradas e rasgadas, a acusarem os adversários exatamente do mesmo que eles fizeram em situações idênticas e que quando as mesmas regressam voltam às mesmas condenáveis práticas ou piores, agora aparecem, renovados, renascidos, recauchutados, a falarem de ética. Como se nada mais tivessem perseguido na sua longa carreira política se não os melhores princípios e as boas práticas, afirmam, juram, garantem que, é com eles e não com os outros, que a ética se implantará, de vez e para sempre, na agitada e lodacenta vida política que nos envolve e condiciona.
O problema é que como quem torto nasce, tarde ou nunca endireita essa jogada, mais não sendo que um gesto de pura sobrevivência, nada trazendo de verdadeiro será, seguramente, não uma tábua de salvação, mas um grilhão de chumbo que mais rapidamente os afundará.
Veja-se, a título de exemplo (e ainda não estamos em campanha eleitoral!) o que aconteceu recentemente aos maiores partidos do nosso atual espetro político. Sem falar no estafadíssimo caso Robles e sem dar grande importância a outras notícias recentes sobre situações menos aceitáveis, passando por cima do “banho de ética” que o novo líder do PSD queria dar à vida pública portuguesa, sem conseguir romper com os atores do estafadíssimo estado anterior e vou deter-me, com algum pormenor e reflexão na espantosa afirmação recente do senhor Primeiro Ministro. António Costa veio justificar a nova remodelação governamental com a firme intenção de separar águas, de retirar o governo da campanha para as eleições que se aproximam, libertar os ministros das suas funções e visibilidade, para serem apenas candidatos. Excelente! Brilhante! É assim mesmo que deve ser feito (vou ficar à espera de ver como será a campanha para as legislativas!). Nada melhor... não fora ter feito preceder esse ato moralizador de um raide nacional, com o candidato que deixou de ser ministro, antes de o deixar de ser, para fazer as mais estranhas, irreais e inacreditáveis promessas. Sem uma obra concluída, sem um único edifício ou via ferroviária em construção, sem uma única primeira pedra, sem sequer um projeto digno desse nome, nem mesmo (pasme-se) sem um caderno de encargos pronto a servir de suporte a um concurso público, sem sequer estarem reunidas as condições mínimas exigíveis (contrato de construção do novo aeroporto sem o EIA), o ministro que ainda o era antes de deixar de o ser, para passar a candidato, prometeu todas as obras de que se lembrou, de que imaginou que alguém se lembrasse e, quase apostava, juntou ainda mais algumas com que ninguém sequer fantasiou e correu o país a anunciá-las.
Pergunto-me se, porventura, não seria mais ético deixá-lo no cadeirão ministerial até ao ato eleitoral... se prometesse, nada prometer... e cumprisse!

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