A opinião de ...

Moderação (ou a falta dela)

O Governo deliberou baixar o IVA na habitação para casas cujo valor seja inferior a 648.000 euros e rendas até 2.300. E bem. O problema está, como, entre muitos outros, assinalou Paulo Raimundo, na adjetivação: valores moderados. Uma renda de 2.300 euros por mês é uma renda moderada? É moderado dar 648.000 euros por uma casa? Diz quem? O Governo que coloca a remuneração de 2.300 euros brutos por mês no sexto escalão do IRS. E quem ganha esse montante leva, líquido, para casa, um valor substancialmente inferior e não é, obviamente, aceitável que alguém possa subsistir entregando ao senhorio a totalidade dos seus proventos.
Não está em causa a medida, repito, e muito menos os valores apontados. O erro está na classificação que lhes é dada. Se bem que, nos tempos que correm, a profusão de declarações exageradas empurra-nos para a normalização de conceitos que, ainda há bem pouco tempo, eram rejeitados ou, no mínimo, denunciados com veemência na praça pública. Pois se até na Assembleia Geral das Nações Unidas a paragem acidental de umas escadas rolantes é apontada, pelo próprio, como um atentado ao Presidente da América e, em consequência, em vez da ridicularização pública, a reação foi um comunicado oficial da Secretaria Geral da ONU. Presidente que ainda há pouco tempo apelidava de senil e demente o seu opositor por uma momentânea falta de memória, num debate que ficou célebre, mas que, perante a generalidade dos líderes mundiais não se coibiu de inventar duas guerras com o intuito único de pressionar a Academia Sueca a outorgar-lhe um Nobel da Paz, logo ele que promove a guerra no Médio Oriente e credibiliza, dando-lhe palco e tolerância a quem a move na Europa!
Voltando, porém, ao panorama nacional já aceitamos com alguma naturalidade que nas próximas eleições autárquicas a cadeira municipal possa ser entregue a quem não tem quaisquer aptidões, competências e conhecimento para tal… desde que empunhe a bandeira de um determinado partido. E que haja quem se candidate ao mais elevado cargo da nação não para o ocupar em nome de Todos os cidadãos que, uma vez eleito, representa, mas apenas para ser um cavalo de Troia de uma fação, qualquer que seja a sua dimensão. E porque não nos espantamos já quando um antigo Primeiro-Ministro se ache lisonjeado por ser apontado como candidato ideal por alguém apologista de valores e princípios pouco recomendáveis? E que outro ex-Chefe de Governo “determine” o timing das suas inquirições em Tribunal ou disso se arrogue, publicamente, sem que tal possa causar qualquer sobressalto público?
Neste caldo de cultura decadente, dos tempos que nos foi dado viver, começamos a deixar de dar relevo ou significação especial a almoços de candidatos “só para certificar a inexistência de intersecções” e se vemos já, com alguma naturalidade, sentado no banco dos réus quem se sentou durante anos na cadeira de S. Bento, o que dizer daqueles que, durante séculos, foram paladinos dos valores da democracia, e são confrontados com a imagem de ver entrar nos calabouços quem recebeu no palácio do Eliseu as mais altas personalidades mundiais?
Será que o centro perdeu o norte e são os extremos a ocupar a “normalidade” do nosso tempo?

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