A opinião de ...

O benefício do infrator

Na edição 3845 de 12 de agosto de 2021, deste mesmo jornal, Mensageiro de Bragança, pouco tempo antes das eleições autárquicas desse ano, dei notícia de um fragmento de conversa tida, alguns dias antes, com um dos apoiantes do presidente e recandidato à Presidência da Câmara de Moncorvo. Assegurava o meu interlocutor que um dos vetores para a reeleição passava pelo preenchimento de doze vagas no quadro de pessoal do município. Perante a minha estranheza assegurou-me que, não só, era o que todos faziam, como, era sabido, resultava. O meu espanto não vinha tanto daí, mas da “necessidade” de recorrer a estratagema tão básico quando, no meu entendimento, oito anos de poder deveriam ser suficientes para justificar o voto de confiança pedido. Os resultados deram-me razão pois a margem alcançada foi muito para lá das famílias direta e indiretamente “beneficiadas”. Ficou a dúvida sobre a relação causa efeito atribuída, de forma imprudente, ao ato administrativo. O apoiante teria entendido mal e aquilo que lhe parecia um mero estratagema eleitoral, não passaria, de uma ação de gestão normal, justificada, fundada e observando toda a legalidade requerida.
E assim passou ao rol do esquecimento.
Porém… um jornal distrital, em edição recente, diz que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela terá detetado no processo a exclusão injusta de três candidatos, apesar de reunirem todas as condições de acesso e a inclusão de um, que as não reunia, condenado a Câmara de Torre de Moncorvo a repetir o referido procedimento concursal “sem reincidência das ilegalidades apontadas na fundamentação de Direito”.
Ninguém de boa fé poderá apontar esta “arbitrariedade” como decisiva para a reconquista da liderança da autarquia, nem tão pouco, apesar de não ser tão evidente, nem tão pouco, significativa, para a inclusão do edil no segundo lugar da lista da Aliança Democrática para as legislativas. Contudo, levanta-se mais uma suspeição sobre o comportamento legal e ético do ex-autarca a juntar-se a outras, trazidas a público, recentemente, e num passado próximo, sobre ajustes diretos e gestão dos recursos hídricos concelhios. Pode, com alguma benevolência, aceitar-se como justificada a recusa de prestar declarações (apesar de o ter feito de forma pouco ortodoxa: “Só falo se desligar o gravador”) por se entender que o candidato terá sido alvo de um “ataque” de um órgão de comunicação social, em vésperas de eleições. Mas quanto às notícias provenientes quer do Ministério Público, quer do Tribunal Administrativo e Fiscal, pese embora a presunção de inocência que deve, a todo o custo, ser preservada e respeitada, justifica-se (atrever-me-ia a dizer, exige-se) uma explicação a quem nele confiou para o representar na Assembleia da República. Quanto aos ajustes diretos, de cujo uso e abuso fiz eco, quando era Presidente da Assembleia Municipal, entendendo que a possam conter em si aspetos com alguma complexidade que não devam ser discutidos na praça pública, não se entende que não haja uma declaração, simples, a quem, em nome dos eleitores a procurou, para dar o necessário conforto aos eleitores. Já na questão do concurso para provimento de posições na autarquia, pela linearidade a que devem obedecer e, sobretudo, pelo impacto direto e indireto nos vários interessados, é exigível um esclarecimento detalhado e justificado. Porque se o concurso tiver de ser repetido, todos serão prejudicados, mesmo aqueles a quem assiste e lhes for dada razão.
O único beneficiado é o infrator.

Edição
3998

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