A opinião de ...

Tempos livres

A chegada do verão está associada ao período de férias, senão no presente, pelo menos na memória ou na imaginação de cada um. No geral, as férias estão gravadas com uma sensação leve, alegre e luminosa, apesar dos percalços que podem sempre suceder.
Trata-se de um tempo livre em que, em princípio, cada um pode fazer o que mais gosta.
No entanto, a experiência demonstra que, em muitos casos, há inúmeras tarefas pendentes de que só no período de férias se consegue tratar, consumindo tempo livre.
Por outro lado, existe hoje uma pressão social e pessoal para preencher os tempos livres com diversas atividades de lazer, deixando pouco espaço para o ócio e a recreação da mente.
Na verdade, a aceleração externa e interna tomou conta de nós, fruto da multiplicação de estímulos e do encurtamento dos tempos de resposta próprios da nossa época, e o “eu” de cada um angustia-se perante a perspetiva da desocupação, que sente como um vazio. Assim, trata de compensar essa angústia com as fantasias que a indústria do lazer disponibiliza e que prometem uma sensação de relaxamento ou uma descarga de adrenalina, consoante os gostos de cada um, e, com isso, uma breve ilusão felicitária.
Nesse ponto começam os problemas, desde logo porque essas fantasias custam dinheiro e nem toda a gente tem acesso às mesmas, sentindo-se injustiçado e discriminado, em muitos casos com razão.
Além disso, as sensações descritas são fugazes e podem deixar uma sensação de vazio e frustração, uma vez esfumadas.
Não obstante, não se pretende demover ninguém de ter essas experiências, mas sim apenas chamar a atenção para a conveniência de não lhes dedicar todo o tempo livre, deixando espaço para os momentos de ócio, em que pode irromper a inspiração, sobretudo se nos predispusermos a ela, com uma atitude de abertura poética, para lhe chamar de algum modo.
São momentos de encontro consigo mesmo e com outros, noutro nível de profundidade, mas também de manifestação de sinais do sagrado, como podem ser as epifanias, as compreensões súbitas, as ideias geniais ou as coincidências significativas, que dependem de um certo silenciamento mental.
Estas ocorrências são subtis e fugidias, mas preciosas, abrindo caminho para a solução de problemas, a reorientação da própria vida, a planificação de ações coerentes e solidárias, pelo que não se devem desperdiçar.
É neste contexto que deve ser entendido o crescente entusiasmo pelo pedestrianismo, que propicia peregrinações externas e internas, dando tempo e espaço aos seus protagonistas para contemplar a paisagem exterior e revisitar a paisagem interior.
Se a isso somarmos um percurso que termina num local carregado das esperanças e das preces de muita gente, então é possível que essas experiências brotem com mais força, reforçando o simbolismo do caminho e do lugar, dependendo da fé de cada um.
Em qualquer caso, essas experiências inspiradoras, independentemente do lugar e do momento em que ocorram, transportam consigo os ventos de uma grande mudança e, como dizia Silo, oxalá que as mesmas sejam traduzidas com bondade por quem as vivencia, para benefício de todos.

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