O Uso da Palavra – Sedução ou Ilusão?
Começa a ser comum afirmar-se: estamos numa sociedade da hipervelocidade dos factos, da pressa dos espetáculos, da instantaneidade própria do mundo selfiano (adjetivo possível), onde impera o materialismo consumista. Tudo por causa da economia. E do Poder que domina.
Vi escrito (recordo dos meus apontamentos): estamos vivendo numa sociedade sem qualidades, em que estas são esquecidas, e esquecidos os valores e as virtudes (A sedução real, de Paulo Ferreira da Cunha, in Revista As Artes entre as Letras, 15 de março de 2017). O domínio da boa palavra já não interessa, o que vale é simplesmente a palavra quando influencia, manipula, controla, domina. É tão simples ouvir sem refletir. O mesmo se passa quando pegamos num livro de poesia ou num romance que nos parecem longos e, por isso, somos impelidos para leituras mais fugazes e fáceis, que não obriguem a reflexão. Na crónica recente Pode a cultura salvar o mundo? (Magazine Cultural, de el corte inglés, de Jan-Mar, 2025 – passe a publicidade), a jornalista e escritora Patrícia Reis afirma expressivamente a propósito da obra densa, mas rica, de Thomas Man, A Montanha Mágica (vale a pena reler): “Um leitor menos treinado talvez se atemorize perante um livro volumoso». É uma questão de hábito, de algum esforço, creio – para não nos deixarmos adormecer irrefletidamente por tudo quanto nos apresentam. É tão simples quanto o uso da palavra, da linguagem. Ouso recordar o que escreveu o escritor cabo-verdiano Germano Almeida, em 2014: “a língua cria proximidades”. Eu digo: para o bem e para o mal.
A Palavra – sobretudo os verbos – podem estar associados a um espaço e a um tempo. A ideia de futuro é particularmente cara em períodos eleitorais que nos transmitem uma ideia de promessa, de compromisso, ao clamar: «vamos caminhar juntos para um mundo melhor» ou: «queremos mudar para melhor e varrer tudo».
A Palavra condiciona a nossa forma de pensar, e faz-nos acreditar em certos truísmos, crenças, se proferidos num contexto difuso, conflituoso.
A Palavra pode distrair-nos: uma frase simples, um filme e uma notícia podem tornar-se viciantes, porque atrativos. A ‘distração’ promovida nas redes sociais e na mídia é orquestrada e valorizada através da simplicidade de mensagens a que aderimos de forma automática, quase explosiva, como sinaliza Mariano Sigman (O Poder das Palavras – A Arte de Conversar, Temas e Debates, 2023). A construção da ambiguidade, lançada pela palavra, como escreve Sigman, vai evoluindo, pela mão de muitos atores, políticos ou não, pelo caminho da ambiguidade. Assim, pode converter-se uma afirmação pouco clara, expressa de forma aparentemente sólida, em dúvida, esta em frustração e, sucessivamente, em indignação e repúdio. Ou em aceitação.
Aproxima-se um período (eleitoral) em que o Poder da Palavra ganhará importância decisiva na roda das emoções, algo tão do agrado daqueles que preferem a superficialidade à reflexão. Os eleitores devem estar preocupados com as fake news e expressões duvidosas, instrumentos de linguagem que retiram a limpidez das ideias e põem em causa a verdade política.