Ricardo Mota

Ergam-se…

Sabe-se, pressente-se no dia a dia, é voz corrente, contam-nos, muitos somos nós, a televisão informa, lê-se nos jornais, as cantinas sociais mostram, o número agiganta-se e serão, com toda a certeza, para cima de meio milhão, são os desempregados deste país que somos. A Constituição averba que o emprego é um direito, mas a Assembleia legisla o contrário, a facilidade nos despedimentos é murro no estômago, é seta envenenada, é vergonha de um povo. Apesar deste ter sido o Governo que mais espezinhou quem caiu na valeta, na sarja, a pergunta é, onde estão os desempregados?


Apanhar a Toalha do Chão

       Ao entrar na minha rua, após ausência de cerca de oito horas, senti-me fora dos tempos, duvidoso se na posse do pouco juízo que me resta. Os postes de iluminação estavam engalanados em alternância, tal como nas festividades religiosas, lembrando a Páscoa, talvez o Senhor dos Passos.


Um Regresso ao Passado…

Em surdina, pelos becos e vielas, nas conversas de café, nos segredares ansiosos, nos escondidos lares, nos exaltados comícios, nos textos de opinião, as saudosistas gerações de Abril conspiram.
Falemos apenas dos que, na longínqua madrugada, teriam vinte, trinta e quarenta anos. Sabe-se, sem conselhos de reputados especialistas, que nos cruzamentos etários haveria de tudo, os que ansiaram e lutaram pela revolução e os que, tudo fizeram para a evitar e ainda hoje a renegam.


Apanhadores de canas...

Somos capazes, nós os humanos, de recuar nos tempos, esgravatar nas memórias, redescobrir as nossas fontes de felicidade, as amarguras corrosivas, os acontecimentos que a História registará.
Assisti, felicidade minha, ao eclodir da liberdade. Constatei, ao longo destes quarenta longos anos, ao despudorado caminhar nas estradas democráticas que Abril abriu.


Favas Contadas …

A multidão, expectante, comprimia-se na gare. O sonho concretizava-se. O comboio, engalanado a preceito, silvou nos freios e estancou. A apoteose, o libertar de pulmões em opressão de quarenta anos, extravasou. Músicas operárias de letras a condizer e com destaque para a Internacional Socialista ecoaram na nave central de St.ª Apolónia, ali junto à porta do Sol Fernandina, em Lisboa.


Os Sapatos e os Amigos…

Lá muito longe, nas nascentes do frio de enregelar, na maternidade dos nevoeiros cerrados, no caldeirão dos calores infernais, ali por detrás do Marão, bulia uma aldeia perdida nos montes e vales. Naqueles tempos, nos tempos da cadeira partida, a de Salazar, a escola primária era santuário respeitado pois que amedrontava. A professora, D. Maria Luísa, sabia o que tinha entre portas, um rebanho de miúdos a despontar, de olhos suplicantes no aprender, na novidade de saber ler e contar.


Espaço Morto…

Desde sempre, antes mesmo da instrução primária, gostava de esconderijos, sítios meus. O farejo pelo espaço ditado pela ânsia de amplitude, pela liberdade de movimentos, colou-me na mente neurónios de análise dos lugares de ninguém.


Consideração…

A caminho de uma aldeia transmontana tradicional, mas peculiar. Vê-se de longe pois que adormecida entre montanhas. Na rota do Sabor, por uma das estradas possíveis, através de uma nesga oferta da natureza, vislumbro uma pedra preciosa encravada nos verdes multicores, pinceladas de um génio que era uma vez por ali passou.


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