Miranda do Douro - Entrevista a Helena Barril

“A candidatura dos Pauliteiros a património imaterial da UNESCO não existe”

Publicado por António G. Rodrigues/Francisco Pinto em Qui, 2021-12-16 15:51

Em entrevista ao Mensageiro de Bragança de lançamento do mandato, a nova presidente da Câmara de Miranda do Douro, Helena Barril, eleita pelo PSD, fala de uma candidatura a património imaterial que afinal não existe e lança as bases do que serão os próximos quatro anos no concelho.

É a primeira mulher a exercer o cargo mas fala desasombradamente e com a convicção das suas ideias, sufragadas com uma vantagem de quase 700 votos nas últimas Autárquicas.
Mensageiro de Bragança: Como surgiu a ideia de se candidatar à Câmara de Miranda do Douro?
Helena Barril:
A ideia já remonta ao final do ano passado [2020], quando fui abordada pela concelhia do PSD. Foi um desafio que me lançaram. Na realidade, antes do convite não vivia com essa ideia. Claro que a partir do momento em que me convidaram achei que conseguíamos concretizar a vitória. A partir do momento que fui ao encontro da vontade da concelhia, acreditei sempre que era possível vencermos as eleições e a vitória, até pela margem que foi, não deixou dúvidas que as pessoas acreditaram no nosso projeto e agora aqui estamos para trabalhar.

MB.: Qual foi o fator determinante para a vitória?
HB.:
Foi preponderante eu ter encabeçado a lista, principalmente porque exerci, ao longo de 21 anos, o papel que exerci na minha atividade, no Serviço de Finanças de Miranda, e de alguma forma bastante visível, o que me colocou em contacto com praticamente todas as pessoas e isso foi essencial.
A forma como soube lidar com as pessoas facilitou esse conhecimento e essa proximidade e eu tinha a convicção firma de que as pessoas não me iriam falhar, como de facto.

MB.: A campanha foi bastante desgastante, sendo acusada de inexperiência. Mas ganhou com uma margem significativa...
HB.:
As pessoas acreditaram em nós e quiseram essa mudança. Essas tentativas de minimizarem a nossa candidatura nunca me afetaram muito porque tudo isso faz parte das campanhas. Eu tinha consciência de que tínhamos uma equipa de valor, não só para o Executivo mas, também, para a Assembleia Municipal e nas juntas. Tendo essa consciência, não podia valorizar essas coisas. Sou um bocado imune às críticas. Quando tenho de seguir o meu caminho, sigo-o. Isso ia desviar-me do meu propósito que era vencer as eleições, por 696 votos.

MB.: E agora, quais os principais objetivos para estes primeiros quatro anos de mandato?
HB.:
Quando se exerce um mandato pela primeira vez, os primeiros quatro anos são os mais desafiantes de todos. Temos vários projetos para levar a cabo, que o anterior Executivo tinha em mãos, que nem de longe nem de perto vamos abandonar.

MB.: Vai dar continuidade aos projetos vindos do anterior mandato?
HB.:
Claro. Projetos que estão financiados ou em vias de financiamento, são coisas que não podemos abandonar. Não é que queiramos dar uma linha de continuidade, porque somos um Executivo completamente diferente, mas temos de aproveitar as coisas boas que nos foram deixadas.

MB.: A língua e a cultura mirandesa foram bandeiras da campanha. Como pretende dar continuidade à dinâmica existente?
HB.:
Relativamente à língua mirandesa, há um protocolo celebrado entre o anterior Executivo e a Associação da Língua que vamos manter. Quando chegar a altura de o renovar vamos avaliá-lo e, seguramente, teremos de pensar seriamente em renová-lo dentro da nossa visão e ir ao encontro da Associação. Está constituída e é algo que não podemos ignorar. A nossa cultura assenta na língua mirandesa e teremos tudo isso em consideração.

MB.: Como encontrou a propalada candidatura dos Pauliteiros a património imaterial da humanidade da UNESCO?
HB.:
Encontrei esse dossiê de uma forma que me deixou muito triste. Quase que se andou a vender uma ideia, de que a candidatura dos Pauliteiros estava encaminhada, mas o que me deixou mais triste é que a candidatura dentro da matriz PCI em Portugal não está feita. Jamais se poderá falar da candidatura da UNESCO sem ser feita a candidatura interna. Andaram a vender gato por lebre e fiquei um bocado triste por isso. Mais uma vez, utilizaram os Pauliteiros de uma forma negativa.
Por exemplo, quando foi aquele programa da RTP, das 7 Maravilhas da Cultura Portuguesa, achei que os Pauliteiros não foram devidamente.... se eu fosse autarca aquando desse programa, não tinha deixado que o integrassem. Não gosto que as nossas coisas sejam tratadas daquela forma.

MB.: De que forma?
HB.
: Acho que foram menosprezados e não consigo olhar dessa forma para as nossas coisas, principalmente para este baluarte maior da nossa cultura que são os Pauliteiros.
Esta questão da candidatura a património imaterial da UNESCO não existe neste momento. Pode ter havido uma intenção...

MB.: Mas vai apostar nisso?
HB.:
Vou apostar e a pessoa que estava a tratar desta “candidatura” vai conduzir o processo internamente. Depois de estarem inscritos no património nacional teremos de avaliar a melhor forma de candidatar a património da UNESCO. Isto não é uma concretização que se consubstancie num curto espaço de tempo. É um processo que vai demorar anos.
Houve a viagem ao Dubai...

MB.: Mas isso deu uma visibilidade mundial...
HB.:
Deu, mas não deixaram de atuar no sítio onde atuaram. Idealmente, deveriam ter atuado no Palco Sony, em que a visibilidade era outra e era o que estava previsto inicialmente. Acho que não devemos continuar a falar desse assunto...

MB.: Mas é um dossiê que não vai arrumar...
HB.:
Não, não, longe disso.

MB.: Como encontrou o Município? Era o que estava à espera, está pior do que esperava?
HB.:
O Município de Miranda está muito bem estruturado, a funcionar muito bem. Financeiramente a situação é positiva mas a estrutura Município está a funcionar bem. Conheço as pessoas que aqui trabalham desde sempre e tenho muito orgulho em estar, agora, a trabalhar com elas. Não me vou imiscuir nas questões técnicas. Quem tem de trabalhar tem de, efetivamente, trabalhar, para que quando cheguem a mim, as coisas estejam devidamente estruturadas.
Nas reuniões de trabalho com outros organismos tenho sempre o cuidado de chamar os técnicos para que o trabalho deles tome essa visibilidade porque são eles que fazem funcionar o Município. Nós estamos aqui para liderar, porque é isso que está instituído. Vamos trabalhar com a proximidade das Divisões cujas pastas são de cada um.

MB.: Ao nível de dossiês, encontrou o que esperava ou está muita coisa pendente?
HB.:
Há situações que causam um certo amargo de boca...

MB.: Tais como?
HB.:
Sei lá... por exemplo, na primeira reunião que tive, no Fórum Autárquico, em Vila Real, deparei-me com dezenas de autarcas, com homens vestidos a rigor e uma ou outra senhora. De repente vejo um senhor mais informal e foi com ele que falei. Era um arquiteto que ali estava em nome do arquiteto Siza Vieira. De repente, disse-me que ia mover uma ação contra o Município de Miranda.
Ele disse que não era nada comigo mas que o anterior presidente tinha mandado executar vários projetos e não pagou. Fiquei chocada.
Pedi-lhe que me fizesse chegar a troca de correspondência...

MB.: A situação vai resolver-se ou segue para contencioso?
HB.:
Vamos tentar resolver de uma forma que fique bem tanto o município como o arquiteto.

MB.: Mas foram projetos que não foram executados?
HB.:
O projeto para a reabilitação da piscina descoberta, que incluía os próprios balneários. A piscina foi recuperada mas deixaram os balneários de fora, só que com um projeto interno. Havia também projetos para a pedreira. Nem percebi porquê uma vez que a pedreira não é nossa, é da REN; um pavilhão multiusos... São situações que não sei como se vai resolver. Entretanto surgiu a lei dos compromissos, não está nada cabimentado nem há contratos. Vamos tentar aproveitar algum projeto para honrar a palavra dada.

MB.: Que projetos tem para implementar no concelho?
HB.:
Temos o projeto do matadouro municipal. Queremos concertar-nos definitivamente e de uma vez por todas com os concelhos de Vimioso e Mogadouro. Penso que com Vimioso temos a questão aceite. Com Mogadouro já percebemos que é mais difícil, pois também têm muita urgência para avançar.
Queríamos que o projeto avançasse mas naquele sentido de ser um matadouro intermunicipal.
Há várias tentativas de zonas industriais mas nenhuma se concretizou. Sendim, Duas Igrejas, Miranda e Palaçoulo. A localização dessa tentativa de Zona Industrial em Sendim não nos parece a mais acertada para a edificação do matadouro. Já encetámos o levantamento de uma nova zona, em Sendim. Como já existe lá a cooperativa será mais fácil concretizar a zona industrial. E como fica perto da ETA minimiza o custo da infraestrutura.

MB.: Miranda do Douro está um passo à frente porque já tem o alvará?
HB.:
Queremos que seja um matadouro intermunicipal e por isso temos de sensibilizar o presidente da Câmara de Mogadouro para isso. É urgente tirarmos o matadouro de onde está. Temos um projeto para reabilitar o rio Fresno.

MB.: Como prevê fazer a reabilitação do rio Fresno?
HB.:
É urgente intervir no parque do Fresno, porque está à vista de todos que não está nas melhores condições e é um sítio magnífico, no centro da cidade. Mas o projeto estende-se ao longo do rio, quer a montante quer a jusante.
Temos de abraçar esta causa de construir o matadouro e deslocalizá-lo daqui para que as obras de requalificação do Fresno surtam o efeito desejado.

MB.: Já há projeto para o matadouro? Tem estimativa dos custos atuais?
HB.:
O projeto já existe há muito mas, neste momento, não posso avançar com números porque corria o risco de não ser séria. Mas não é um projeto barato.

MB.: Quanto ao Movimento Cultural Terra de Miranda, como vai o seu Executivo trabalhar com os seus elementos?
HB.:
Acho que é das coisas mais extraordinárias que emergiu da sociedade civil, esta forma como o Movimento se constituiu, em prol de uma causa. Já não víamos isto na sociedade civil há muitos anos. Com a força aglutinadora, e ter conseguido congregar pessoas de vários quadrantes políticos... É legítimo que digam que são um movimento apartidário. Na sociedade civil há estes fenómenos. Acho que foi um erro o anterior Executivo não ter apoiado este Movimento. Sempre o defendi. Na essência, despertou-nos para este negócio das barragens. Se este negócio não tem sido chamado à colação pelo movimento, teria passado completamente à margem de todos.
Acho que é importante ouvirmos o Movimento e, como autarca, jamais poderei marginalizar este fenómeno que está enraizado.
Tudo o que se fizer no concelho que passe pela Câmara Municipal, será importante para todos.

MB.: Como vai delinear a cooperação transfronteiriça e a projeção de Miranda do Douro para cativar visitantes?
HB.:
Essa ligação que temos com Espanha, com várias cidades, é para manter. O que achamos que está bem temos de manter e estruturar de uma maneira mais sólida, se possível. Claro que estamos condicionados pela evolução da pandemia. Evoluindo de uma forma negativa, os nossos comerciantes são os primeiros a sofrer com a menor circulação de pessoas. Mas, com o anterior Executivo sentiram-se muito abandonados. Se houver situações em que tenhamos de apoiar, vamos reunir com a Associação de Comerciantes, para encontrar as formas de apoio imediato. Até estamos a pensar criar um fundo de emergência para fazer face a estas situações. Estamos totalmente dependentes desta pandemia.
Relativamente ao fecho das fronteiras, acho que não resultou e foi um erro. Mas, aí, as pessoas estavam muito condicionadas e ainda não sabíamos muito bem como lidar com a pandemia.

MB.: E a projeção de Miranda para o lado espanhol?
HB.:
É irmos ao encontro do mercado espanhol. Isso terá sempre de ser feito ao nível de eventos em Espanha. Há muitas solicitações. A participação nas feiras é muito importante porque se for bem feita temos um retorno importante. Apostar nas geminações.

MB.: Uma das questões falada há anos é a conclusão do IC5. Vai pegar nessa dossiê?
HB.:
Para nós é uma prioridade mas tomámos posse há pouco tempo e ainda não chegámos a essa parte. Mas queremos, quando for o momento, tratar essa questão com muita seriedade. Mesmo a ligação do nó de Sendim a Palaçoulo é prioritário. Temos em Palaçoulo um ex-libris, com um peso económico muito importante para o concelho. São muitas empresas geradoras de emprego.

MB.: Mas tem uma ideia de como o IC5 pode chegar a Espanha?
HB.:
Na campanha tive uma abordagem de um traçado do IC5 mas são situações que não posso resolver sozinha. Quanto mais for feito para nos ligar a Espanha, para encontrar saídas e entradas para o concelho, Miranda tem de estar e com uma voz muito ativa.

MB.: Qual a política seguida para as associações do concelho?
HB.:
Relativamente ao Grupo Desportivo Mirandês e ao Grupo Desportivo de Sendim já celebrámos um protocolo de apoio. A Câmara tem sempre de servir de alavanca para essas associações. Sem a Câmara, era praticamente impossível que pudessem existir ou pudessem ter as intervenções que têm. Adoro ir aos jogos do Mirandês e, agora como Presidente da Câmara, tenho a obrigação acrescida de dar esse apoio mas que dou de forma muito natural.
Relativamente às outras associações culturais, o apoio da Câmara será sempre o necessário para que sobrevivam. Queremos dar continuidade a algum apoio que já vinha de trás. Mas temos de ter uma planificação da parte delas, têm de ter atividades e concretizarem eventos, para ajudar a promover o concelho. O apoio dado tem sempre de trazer algum retorno.

MB.: E em termos de promoção no território português. Os eventos são para manter?
HB.:
Temos de ter em atenção sempre a evolução da pandemia. Temos a feira dos Sabores. Estamos a tratar das coisas no pressuposto de que se vão concretizar. Temos a Famidouro em agosto, com a ACIM. Vamos concretizar outros eventos. Já reunimos com agendas para começar a trabalhar um calendário para ir projetando eventos ao longo do ano. Estão em curso os concertos de inverno.
Vontade de trabalhar não nos falta, queremos é que a evolução da pandemia nos permita concretizar estas coisas.
Queremos continuar a trabalhar em cooperação estreita com o Museu Terras de Miranda. Ninguém pode viver numa ilha. Estamos a atravessar um problema crítico que é o despovoamento. Temos de acarinhar eventos apelativos para que as pessoas não se sintam sós e tenham projeção no exterior para que as pessoas venham até aqui.

 

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