A opinião de ...

(In)decisões

Ao longo de mais de 900 anos de história, Portugal vai seguindo o rumo de navegação à vista, com raras exceções de planeamento atempado, ordenado e eficaz.
A gesta dos Descobrimentos, pela mão de D. João II, bem como a própria criação do Reino de Portugal independente, sob a pena de D. Afonso Henriques, terão sido alguns dos poucos momentos em que a ação correspondeu a um planeamento aturado e cuidado.
No resto, prevalece o improviso, o deixar andar até ao momento em que tem de se decidir qualquer coisa porque o tempo já escasseia e é mesmo preciso decidir. Aí, improvisa-se muitas vezes, em cima do joelho, seguindo-se os lamentos nos anos seguintes de que se as coisas tivessem sido feitas atempadamente é que teriam corrido bem.
A introdução do caminho de ferro no século XIX foi sinónimo de prosperidade para muitos países, com os Estados Unidos da América à cabeça. A união de um país continental de costa a costa permitiu o acesso aos mercados do Leste aos produtores do centro oeste, com uma explosão económica subsequente.
Por cá, houve essa visão mas faltou a capacidade de a concretizar atempadamente. Antes, andou aos soluços, com o Nordeste Transmontano a ser uma das últimas regiões a serem desbravadas. Sol de pouca dura pois nem um século volvido já as carruagens eram levadas e os carris arrancados. Afinal, era tempo de dar lugar ao alcatrão das autoestradas (que também era necessário mas não exclusivo).
Agora, uma geração volvida, chega-se à conclusão de que o caminho de ferro é que é o transporte do futuro. Agora que já não há carris nem locomotivas.
E, mais uma vez, Trás-os-Montes ficará para um dos soluços finais, se entretanto a ideia não cair por terra, como tantas outras.
A diferença é que hoje em dia o acesso à informação já não é apanágio exclusivo de um punhado de iluminados. Ela está aí, disponível e à disposição do povo.
Esta semana, no Porto, a Câmara da segunda maior cidade do país recebeu mais uma sessão de esclarecimento sobre o projeto da ferrovia e das (claras) vantagens da opção pela ligação a Espanha através de Trás-os-Montes. O investimento, sendo avultado (supera os quatro mil milhões de euros), não é superior ao da solução que o Governo prefere, pelas Beiras.
A diferença está em tudo o resto. Por Trás-os-Montes, esta linha serviria muito mais população, exigiria um investimento do lado espanhol muito mais reduzido (aumentando, assim, as probabilidades de ser construído), para além de servir de impulso maior à economia nacional por estar ligado a um dos pólos logísticos mais importantes, o porto de Leixões, podendo, ainda, ligar-se ao aeroporto Francisco Sá Carneiro.
As distâncias passariam a ser medidas em tempo e não em quilómetros, com claros ganhos para as empresas da região mais produtiva do país.
Neste caso, nem se trata de uma reivindicação de uma região sempre esquecida (o Nordeste Transmontano) por uma compensação pela interioridade (assim em jeitos do que acontece com as ilhas e o estatuto da insularidade), em que os impostos são chamados a suprir injustiças sociais.
É mesmo uma questão de melhor aproveitamento do dinheiro de todos com benefícios claros, grandes e mensuráveis, para a maioria. Beneficiaria não só as empresas do norte mas, também, de Lisboa. A viagem para Madrid demoraria o mesmo tempo passando pelo Porto e Bragança, partindo da capital, do que pelo sul.
Portanto, com tantas e tão claras vantagens, onde está a dúvida?
Quando o povo começar a questionar estas coisas com acuidade, pode ser que deixemos de navegar à vista.

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