A opinião de ...

Direito ao silêncio

oi pública e evidente a incomodidade com que os deputados encararam o exercício do direito ao silêncio de alguns dos cidadãos chamados a depor na mais recente Comissão Parlamentar de Inquérito constituída para indagar e (supostamente) esclarecer o que efetivamente antecedeu o tratamento milionário das duas gémeas brasileiras. O desagrado parlamentar, porém, foi, notoriamente, seletivo. Apesar de alguns remoques, pouco mais que retóricos, a Comissão foi muito compreensiva para com Lacerda Sales. Estranhamente. Não só porque é à volta do ex-Secretário de Estado que todas as suspeitas de influências supostamente ilegítimas mas também porque, ao contrário de outros inquiridos, foi seletivo na invocação do direito a não responder. Pronunciou-se sobre o que lhe pareceu ser do seu interesse, calou-se quando lhe convinha. Sem qualquer clamor nem protesto dos seus colegas. Não quero crer que seja essa condição a despertar a compreensão dos seus colegas de bancada.
Porém a cordialidade de tratamento com o deputado do PS foi tratado, contrastou com a agressividade do interrogatório a Daniela Martins, tendo subido de tom e de conteúdo quando o alvo foi o seu advogado. Incompreensivelmente porque o tema das questões, tanto quanto foi público, versava, invariavelmente, a relação do causídico com a sua cliente. Apesar dos argumentos do jurista sobre a necessidade de proteger a relação de confidencialidade a que estava obrigado, legal e deontologicamente, não se livrou de acusações e ameaças de processos. Nem quero imaginar o estrago que adviria, para a proteção dos direitos e garantias dos cidadãos se tal proteção pudesse ser violada. Se nem um juiz pode questionar a relação de confiança entre o advogado e o seu cliente, porque haveria de ser permitido a um qualquer deputado? Que alguns políticos queiram ir tão longe, não me surpreende, mas outros…
Ridícula foi a sessão reservada a Nuno Rebelo de Sousa. Tendo este anunciado que iria exercer o seu direito de não responder a qualquer pergunta que lhe fosse dirigida, quis, naturalmente, ser dispensado da inquirição. Os deputados não lho permitiram e insistiram em “ouvi-lo”. Unanimemente condenaram a conduta do interrogado. Estranhamente. A Lei que lhe permitiu permanecer em silêncio foi feita e aprovada na Assembleia da República. Ao contrário de todas as outras instituições, não podem, os deputados, queixar-se da desadequação legal. Têm a prorrogativa única, que mais ninguém tem, de, se não concordarem, mudarem o texto regulamentar. Não podem, obviamente (era só o que faltava!), legislarem em favor dos direitos e garantias dos cidadãos, quando isso fica bem na fotografia (e, diga-se, se coaduna com o texto constitucional) e depois, quando lhes convém, esquecerem o estabelecido por eles, para atropelarem esses direitos para benefício próprio, político e partidário! Mesmo com a alegação de que pretendem confirmar (porque não invalidar?) os supostos ganhos de uma seguradora com base numa conversa gravada por uma estação televisiva, de forma questionável, se não legal, pelo menos eticamente. Sempre que alguém com um Seguro de Saúde opta pelo SNS a que tem direito, obviamente que o seguro beneficia. E isso é crime?
Finalmente, não só os deputados como muitos comentadores reclamam que o dr. Nuno tinha o dever de responder por ser filho de quem é. Mas não está ele a ser interrogado precisamente por, supostamente ter usado essa condição? Se não lhe é concedida, e bem, qualquer prorrogativa pela sua condição familiar não é justo exigirem-lhe qualquer dever que essa mesma condição lhe possa impor.

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