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Ecos lusitanos do maio 68 (O “caso Béjart)

O movimento estudantil com epicentro na parisience Sorbonne estava ao rubro qundo em Lisboa a Fundação Gulbenkian apresentava, no Coliseu, o bailado “Romeu e Julieta” interpretado pela companhia belga Ballet du Xxème Siécle fundada e dirigida por Maurice Béjart, nome artístico do coreógrafo francês Maurice-Jean Berger.
O programa do XII Festival Gulbenkian de Música previa, no âmbito de outras atividades culturais, três apresentações, a 6, 7 e 8 de junho de1968, da já famosa companhia onde haveria de atuar, mais tarde, o imortal Rudolf Nureyev.
No final da primeira atuação, sem que nada o fizesse prever, e segundo relato confidencial do Secretário do Conselho de Administração da Gulbenkian, para o seu presidente, Azeredo Perdigão, Béjart, destacou-se do fundo onde estavam os bailarinos e veio ao centro da pista pedir um minuto de silência em memória de Robert Kennedy assassinado, nesse mesmo dia, segundo ele pela violência e pelo fachismo. Condenou ainda todas as formas de violência e ditadura. O silêncio foi observado e houve aplausos. Parte da sala levantou-se e a outra ficou sentada (estavam presentes membros do governo e de instituições públicas). Ainda, de acordo com o registo de Carlos Baptista da Silva, alguns dos presentes juntaram-se por baixo do camarote presidencial, enquanto muitos abandonavam a sala, e entoaram por alguns segundos uns acordes de um cântico que pareceu ser a “Internacional”
 
No dia seguinte, com a bilheteira quase esgotada para a segunda sessão, a Fundação emitiu um comunicado a informar que devido a circunstâncias “imprevistas e imprevisíveis” a atuação da companhia de bailado do Teatro Real da Moeda de Bruxelas estava cancelada.
Béjart que ainda estivera numa receção oferecida pela embaixada belga em Lisboa, tinha sido abordado pela PIDE e colocado na fronteira de Caia com ordem de expulsão.
A imprensa portuguesa fez eco do comunicado da Gulbenkian de uma nota do SNI (Secretariado Nacional de Informação) com forte condenação do comportamento do artista gaulês por exortações de derrotismo especulativas com intenção de contrariar os objetivos nacionais, enquanto os média internacionis, principalmente os francófonos dão destaque à expulsão do coreógrafo e consequente retirada da companhia de terras lusitanas.
José de Azeredo Perdigão vê-se obrigado a justificar o sucedido junto do Presidente da República que lhe responde com um cartão amigável e a António de Oliveira Salazar de quem recebe palavras duras, acusando o diretor artístico de se associar aos acontecimentos em curso na capital francesa com slogans subservivos contra a autoridade e contra quem a exerce, em legítima defesa. Este incidente que Salazar apelidou, segundo as suas próprias palavras, de “caso Béjart”, como acabou por ficar conhecido, levou  Azeredo Perdigão a decidir não participar nas comemorações do 10 de junho desse ano. Chegou mesmo a equacionar a sua demissão do Conselho de Administração da Gulbenkian, a quem deu nota do sucedido, tendo contudo concluído que era seu dever ficar, pois essa seria a única forma digna de corresponder às provas de confiança nele depositadas pelo Fundador.
 
Pouco tempo depois, em agosto desse ano, Salazar caiu de uma cadeira de lona no forte de Santo António do Estoril onde passava férias e o regime, que ele julgou continuar a dominar até à sua morte, perto de dois anos depois, iniciou o seu declínio com epílogo a 25 de abril de 1974.
 

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