A opinião de ...

Por quem Deus nos mandou avisar

“A César o que é de César” Recomendou Jesus quando questionado sobre a licitude do pagamento do tributo romano. Sendo-lhe devido, espera-se que este trate bem o que lhe pertence. E assim foi. César, o Júlio, tratou bem do que lhe foi confiado. Tratou bem de Roma, dos romanos e do império que consolidou, melhorou e ampliou. Cuidou bem da sua família e tratou de que a sua mulher, sendo honesta, se comportasse exemplarmente para que igualmente o parecesse. Cuidou bem do seu filho Brutus, que tanto amou, como testemunhou Marco António no célebre discurso fúnebre. Não cuidou bem de si mesmo porque o mesmo Brutus, que tanto amou, traiçoeiramente o apunhalou, juntamente com Cassius. De si e dos seus cuida bem César, o Carlos, a fazer fé nas notícias que se conhecem e que nunca foram desmentidas, muito pelo contrário, relatos, provas e declarações do próprio, confirmam.
 
Estou convencido que, contrariamente ao que já vi muito divulgado, debatido e afirmado, o repúdio público que esta semana abalou a vida política nacional não resultou de nenhuma combinação da liderança política do Largo do Rato, antes, tratou-se apenas de um gesto arrojado, mas conveniente, do presidente socialista, exclusivamente no seu interesse pessoal. Ninguém me convence que a iniciativa tivesse sido espoletada por António Costa, apostando até que o mesmo de nada sabia, tendo sido apanhado de surpresa. O Primeiro Ministro não tem o mínimo interesse em levantar qualquer poeira numa altura em que estando longe não podia (nem pôde) controlar as naturais ondas de choque. Por outro lado era  da sua conveniência que este assunto continuasse “hibernado” até ao próximo congresso, pelo menos. Se estivesse a par do que o Líder Parlametar socialista se preparava para declarar, seguramente que o seu núcleo político mais próximo estaria ao corrente o que não foi o caso ou Mariana Vieira da Silva não seria surpreendida pelas notícias a meio de uma entrevista ao Expresso e, por tal, obrigada a corrigir e atualizar as suas afirmações.
 
Este incidente em nada aproveita a António Costa. Já a conveniência do antigo presidente do Governo Regional dos Açores entra pelos olhos dentro. Numa altura em que aparece associado ao favorecimento na atribuição de lugares de nomeação a familiares seus e, sobretudo, ao mesquinho e imoral pedido de reembolso das viagens à terra natal, nada como espoletar a "bomba" que o secretário geral tem andado, com todo o cuidado a preservar. O estrondo veio, naturalmente, fazer esquecer as trapalhadas insulares. Esse foi, a meu ver, o único e último objetivo, aliás, como é dos manuais, completamente conseguido.

Tudo o resto não passou de um fait-divers muito conveniente. As declarações de Ana Gomes não são novas e nada acrescentam. Tem a euro-deputada todo o direito de querer ver fora do partido quem quer que seja. Não tem a mínima autoridade para promover qualquer julgamento público muito menos com anúncio prévio de culpa e castigo.

Curiosamente o outro Sócrates, o filósofo, foi julgado e condenado. Por corromper a juventude, algo que o seu acusador não soube definir. Defendeu-se o grego explicando que a sua missão era persuadir todos que a virtude não vem da riqueza, mas que é a virtude que traz riqueza e utilidade à vida humana. “Se, dizendo isso, eu estou a corromper a juventude, tanto pior!”. Condenaram-no os juizes sem grande convicção como nos relata Platão e, segundo este, aliviados ficariam, se o Mestre tivesse optado por propor pena alternativa, prorrogativa que a Lei grega lhe conferia.

Sócrates, o José, pode, por ironia, ser absolvido havendo nos juízes e, sobretudo, acusadores, e até numa larga maioria de portugueses forte convicção da sua culpa. É verdade que tem muito que explicar mas também lhe assiste muito capital de queixa na condução deste processo que de exemplar nada tem. Independentemente disso, só a prova em Tribunal conta e só essa poderá sustentar qualquer veredito judicial. Justa ou injustamente. É essa a regra do Estado de Direito e só assim será aceitável qualquer decisão que venha a ser inequivocamente definida.

 

Coisa diferente é o julgamento político e, para esse já tem de se levar em conta o juízo popular. Mas aqui, há que convir, que os juízes são muitos e diversos e, Carlos César não apresenta o melhor curriculum para se sentar na primeira fila.

A mitologia que faltava a este quadro católico-greco-romano, chegou-nos pela boca de Manuel Alegre ao declarar aberta a Caixa de Pandora. Esta afirmação, muito mais que qualquer uma das outras, por causa do seu autor, mas, sobretudo, pelo seu conteúdo premonitório, é deveras assustadora!
 

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