A opinião de ...

António Costa e o “Assalto ao Poder”

 
A solução governativa, “improvável” e “histórica”, de Esquerda, de que fazem parte o Partido Socialista, o Bloco de Esquerda, o Partido Comunista e “Os Verdes”, saída do acto eleitoral que decorreu no pretérito dia 4 de Outubro, é uma realidade muito difícil de digerir por parte da Direita, num tamanho grau de frustração, ao ponto de considerar tratar-se de um “assalto ao poder” por parte de António Costa.
Tendo a Direita dificuldade em conseguir uma maioria parlamentar que lhe permitisse governar, o Partido Socialista apresentou uma alternativa, convidando os partidos à sua esquerda a fazerem parte desse novo desígnio nacional que, a meu ver, se impunha. E não se prestando a Constituição da República Portuguesa, nesta matéria, a quaisquer ambiguidades, porque o disposto é claro, não sei onde os “queixosos” foram buscar os factos capazes de consubstanciar a prática do crime de “fraude eleitoral” imputada a António Costa!
Como as fraudes, de uma forma geral, são de natureza substantiva, e porque o “acto ilícito” não foi nem nunca poderia ser provado, por, simplesmente, não existir, o “atrevimento” de Costa passou a ser interpretado a partir de uma visão consuetudinária: em 40 anos de Democracia, o chefe de governo foi sempre aquele cujo partido ganhou as eleições. Ou seja, a tradição, no entender dos “derrotados”, sobrepõe-se à Lei Fundamental e aos valores que ela consagra.
Ora, o argumento da “tradição” até pode ser aceitável, se quem o invoca mantiver a mesma coerência para as demais matérias e situações. Um princípio que, diga-se, em política, devido às jogadas de tacticismo, é muito pouco congruente. Se assim não fosse, como se explica que durante quatro penosos anos (este é apenas um exemplo) milhares de portugueses, ao arrepio da lei suprema, tenham sido sujeitos a cortes drásticos nos seus salário e pensões, se em 37 anos de Democracia nunca houve a “tradição” de cortar salários nem de mudar as regras do jogo, depois deste já ter começado?!
E o que dizer das promessas feitas na campanha eleitoral de 2011? Na ocasião, confiei o voto ao partido que viria a sagrar-se vencedor, aliciado por um ambicioso programa que a acção governativa veio contrariar. Não sendo, no entanto, radical ao ponto de achar que se tratou de um embuste ou de uma fraude, tenho a firme convicção de que fui enganado; como o foram provavelmente os 500 mil portugueses que recorrem diariamente ao Banco Alimentar Contra a Fome.
E tendo sido o “assalto ao poder” perpetrado não por um bando de delinquentes, mas por alguém legitimado pela maioria dos portugueses, que o resultado do produto “roubado”seja para dar alguma dignidade a quem lhe foi tirada, para repor integralmente os salários da função pública, para repor os feriados suprimidos, para impedir as execuções fiscais e a penhora da casa de morada de família, para reduzir o valor das taxas moderadoras, para aumentar o ordenado mínimo, etc.
A confirmar-se, pois, que o XXI Governo Constitucional resultou, como alguns sustentam, de um “assalto”, pesar-me-ia a consciência, sem qualquer comprometimento ideológico, se não me apresentasse na esquadra policial mais próxima da área de residência, para me dar como culpado do “crime” cometido, como cúmplice, enquanto cidadão e eleitor.
Sendo “condenado”, fico com a sensação de que a expiação do “pecado” valerá a pena, nem que mais não seja por acreditar que a sensibilidade social não é incompatível com o rigor das contas públicas nem com as imposições de Bruxelas, e por me desagradar a visão pretensiosa e maniqueísta do “nós, ou o caos”.

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