A opinião de ...

A bola e a gramática

Segundo o noticiário futebolístico foi aprovada e apresentada uma nova bola destinada às competições da I Liga a qual é colorida e brilhante de modo a refulgir aos olhos dos jogadores e espectadores. Aplaudo a invenção da bola eivada de cromatismo na justa medida de os pontapés na gramática multiplicam-se mesmo no referente a presumidos autores de livros, ainda há dias ouvi um escrevinhador ufanar-se de escrever conforme fala não sendo preciso grandes cuidados no acto da escrita. Disse estas e outras barbaridades no decurso da apresentação de obra alheia. Se o Sr. António Sérgio estivesse presente diria «valente pedaço de asno», se os eminentes prosadores Padre Manuel Bernardes e Padre António Vieira ouvissem olhariam para o céu e pensariam nas vozes que não chegam lá.
A violência contra a Gramática vem de longe. Os poetas, os filósofos, os dramaturgos e outros insignes homens de cultura caboucaram arduamente de modo a nossa língua ser opulenta, dúctil, de enorme plasticidade imagética, apesar disso, a maioria das pessoas vive contente e feliz utilizando parco vocabulário, uns trezentos vocábulos, sendo admissível pensarmos no estreitamento vocabular e sua amputação dada a crescente iliteracia da maioria da população favorecendo as elites cultivadas e detentoras do poder concedido pelo amplo conhecimento e uso da língua.
A apresentação de uma nova bola, eclatante de modo a ser visível aos espectadores dos lugares mais distantes do relvado do Dragão (animal mítico), da Luz ou do estádio saído do talento de Souto Moura é benéfica a fim os pagantes usufruírem do jogado no relvado, mas fundamentalmente para os jogadores a tratarem melhor, se possível ao jeito do lendário Didi, o brasileiro criador do remate de folha seca, concedendo a mesma virtude aos comentadores exegetas do visto e ouvido de um jogo febril e apaixonante como se existisse uma hermenêutica à qual só referidos exegetas tivessem acesso interpretativo. Os comentadores blabla gritam que nem carpideiras não bum funeral estridente, sim numa festa de guinchos, insultos e desqualificações amputadoras do uso da razão. Nessas intermináveis sessões a gramática sofre tratos de polé, daí eu esperar as virtudes da bola cromática levar a menores atropelo à dita cuja senhora gramática. Se assim acontecer dou por bem empregue a vinda da bola embora tema desagradar aos defensores da gritaria, do quanto maior for a rasteira à gramática, aos sempre atreitos a aplaudirem a ignorância.
Sendo cultivador da palavra escrita de quando em vez o sulco sai enviesado, fico zangado e procuro corrigir-me, a fúria acontece quando outros cultivadores abusam nos sulcos desprovidos de um mínimo de exigência discursiva e ainda por cima se vangloriam das asneiras escritas como se fossem virtudes de arromba. Tais delinquentes da nossa língua de prosadores do talante dos Padres acima referidos, de D. Francisco Manuel de Melo, Camilo, Eça, Fialho, Aquilino Ribeiro, Raul Brandão, Nemésio e Tomaz de Figueiredo e alguns mais dão importante contributo para o abastardamento do bem escrever e falar caucionando o crescimento da iliteracia castradora do nosso património linguístico.
Em Bragança existe uma Academia de Letras da qual não faço parte por opção própria na presunção vaidosa de corresponder aos critérios de avaliação de quem afere o currículo dos candidatos, no entanto, tendo em conta a sua nobre parece-me importante que os seus membros sejam os primeiros a publicarem trabalhos que possam ser considerados paradigma do escrever sem ofenderem a gramática. Será que os podemos afiançar nessa ingente bitola?
Vou acompanhando de longe as diligências no sentido de ser duplamente construído em Bragança um Museu consagrado à língua portuguesa, esta iniciativa merece-me várias baterias de palmas porque a ancestralidade do burgo bragançano, o seu enquadramento geográfico e os falares residuais mas de enorme interesse cultural, o facto de no Politécnico estudarem centenas de alunos estrangeiros e milhares de outros provenientes das antigas colónias, acrescida a pujante mais-valia de investigadores constituem precioso capital para o efeito. Nesse pressuposto os elementos da Academia de Letras apesar de não usarem o vistoso e simbólico camisolão, insisto, podem ser colocados no prato dos exemplos na balança da Língua Portuguesa? Alguns podem, sabemos isso de cor e salteado, outros saberão quem os apadrinhou.

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