A opinião de ...

O 1.º de dezembro

Nesta selva de caminhos electrónicos é difícil fruir descansadamente as efemérides de grata memória porque as mesmas são diluídas na máquina trituradora dos noticiários infestados de bastardos paridos nas barcas sensacionalistas soterrando marcos da nossa história, das nossas vivências. Nada escapa à voracidade instalada, mesmo os temas ou assuntos a exigirem cuidados na análise e argumentação são tratados com os pés, pensemos nos «prós e contras» moderados por uma senhora imoderada a interromper ou a cortar os raciocínios dos opinadores. No meio da salgalhada escapa quem? Apenas Ana Lourenço e Carlos Andrade. Não vislumbro mais ninguém.
Ora, o reajuste da História obra dos conjurados expulsando os espanhóis, onde se notabilizou uma espanhola mulher do tão temeroso como interesseiro João, à altura Duque de Bragança, o enaltecimento da data na cabeça do ducado sempre me fascinou enquanto na cidade fui roendo anos, gastei solas e fundilhos, numa vivência de quem nunca nela volta a viver. Até agora não voltei, toda uma vida ausente, toda uma vida presente pois são vivas as saudades do que não volta, tal como a mocidade. Ora, a mocidade estabelecia a diferença entre as burocráticas e engarrafonas (de garrafões de tinto ingerido no almoço melancia legionária) celebrações debaixo do guarda-chuva da União Nacional e sua filha ANP, e a amorfa burguesia e o resignado funcionalismo citadino dando alacridade ao dia normalmente frio e cinzento. A mocidade dividia-se entre os donos de chave de casa, logo detentores da prerrogativa de entrarem quando lhes apeteci, vários elemento beiravam a idade adulta (21 anos) formando uma espécie de Ala dos Namorados, e os adolescentes de bigodes esquivos à Cantinflas confinados às mocas, à charamela e à toada do arroz pró pote dos estimados músicos da banda do Patronato. Os e as da Ala aproveitavam o ensejo, redobravam os amplexos, os beijos, culminando a jornada festiva na récita apresentada no palco Cine Teatro Camões. Saudades? Som.

Saudades nostálgicas no sentido pascoaliano que seduziu os racionalistas António Sérgio e Jaime Cortesão, sem esquecer Pessoa e epígonos até aos dias de hoje. É dentro deste estado de espírito que recordo o feriado da retoma da independência repelindo o desejo de regressar nesse dia e a relutância ou receio de voltar a revivê-lo onde fui feliz. Retenho a advertência: não voltes a onde foste feliz. Neste caso o dia!

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3708

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