A opinião de ...

O valor da verdade

Não é por haver cada vez mais fake news, clik baits, utilização de playbooks propangandísticos e campanhas de influência e manipulação, massivas e persistentes, locais, nacionais e globais, qual combustível para o sectarismo e para ignorância, que a verdade deixará de ser um valor que tanto o Homem, individualmente considerado, como a sociedade, no seu conjunto, mais aspiram.
Não é por proliferarem “abelhas sem líder que agora constituem as redes e os movimentos sociais”, no dizer feliz de Meryl Streep, as más práticas jornalísticas, a diminuição da Democracia, a corrupção, o relativismo e quiçá até a ausência de espírito crítico construtivo (não criticista e de bota abaixo), que a verdade deixará de ser o valor social básico.
“Nem todas as verdades são para todos os ouvidos”, referiu Umberto Eco, mas essa verdade, se nos dermos ao trabalho de empreendermos um processo de procura sobre o valor de cada ser vivo e cada ser não vivo, criados e existentes, descobriremos que é a primazia do próprio ser humano, de todas as latitudes e longitudes, a primazia como Pessoa.
Esta é a verdade do ser humano. E a sua verdade coincide com a sua dignidade inviolável. Só protegendo a Pessoa por cima de qualquer outra consideração, os problemas sociais terão uma solução adequada. Como refere a Doutrina Social da Igreja (DSI) “uma correta compreensão da sociedade requere uma prévia e correta compreensão do Homem”.
O conceito de Pessoa que se tem numa sociedade converte-se, assim, na chave para analisar e aferir se essa sociedade é democrática, ordenada, justa e desenvolvida e que só o será se, na prática e de maneira concreta, os seus membros respeitarem e preservarem a dignidade inviolável de cada Pessoa, de cada e de todos os seres humanos. Penso que este conceito é comumente aceite e assumido pela grande maioria da população portuguesa.
Para os que são cristãos, exige-se que vamos mais além, isto é, que cada um de nós se compreenda a si e aos outros como filhos de Deus e sejamos irmãos do nosso próximo, conformes ao testemunho e mandamento do próprio Jesus Cristo.
Aqui chegados, depois de vermos decorrida a campanha e finalizada a eleição presidencial, depois de mais uma aprovação do “estado de emergência” e no âmbito social específico da vida portuguesa, constatamos o anseio de que haja também verdade na nossa Democracia e sobretudo líderes verdadeiros, quaisquer que sejam o seu grau e importância, que procurem agir com verdade, que concretizem a correspondência entre o que dizem e a realidade, entre o que prometem e o que fazem, entre o que dizem e o que pensam ou sentem.
Penso que fica evidenciada também a não aceitação de qualquer visão totalitária da sociedade e do estado, seja de direita ou de esquerda, nem de atitudes como o racismo, a xenofobia e a discriminação que são especialmente contrárias à verdade integral da Pessoa e supõe um atentado à sua dignidade. Qualquer ordem social deve respeitar os valores humanos e sociais. Uma democracia sem valores não é uma verdadeira Democracia.
Enquanto cidadãos, compete-nos estar atentos e empenhados, mas sem nenhuma “caça às bruxas”, pois uma sociedade, digna desse nome, “se pode considerar estar na verdade quando cada membro seu, graças à própria capacidade de conhecer o bem, persegue-o para si e para os outros. Também as várias sociedades devem adentrar por relações de solidariedade, de comunicação e de colaboração, a serviço do Homem e do bem comum” (DSI 150).

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3818

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