A opinião de ...

Purmeiras Mimórias

(Ye perciso ler i ye ourgente scribir)
Há pouco mais de vinte anos, quando reencontrei o Amadeu Ferreira, num evento promovido na capital pela, infelizmente extinta, Região de Turismo do Nordeste Transmontano, disse-lhe que para entender o que ele escrevia tinha de o ler em voz alta. Em conversas posteriores desenvolvemos o tema e a razão de ser desse requisito emergiu por um lado porque o som despertava-me lembranças da linguagem popular da minha aldeia (obviamente, influenciando pela proximidade das Terras de Miranda), mas também porque o mirandês é uma língua que deve a sua sobrevivência à oralidade. Foi a tradição oral que, ao longo dos séculos, a manteve viva e lhe conservou as características e pureza.
Porém esta característica que lhe deu, no passado longínquo, força e longevidade, pode, no tempo presente de globalização e miscigenação, ser a sua fraqueza e ameaça. O isolamento e, de certa forma, a “endogamia”, garantiram a transmissão, através das várias gerações, da expressão fonética, dos costumes e do ancestral legado. A abertura ao exterior, a diáspora, as migrações e a influência da comunicação social, da internet e demais agentes modernos colocam em causa a eficácia do velho método de preservação e divulgação.
Obviamente que a solução não passa pelo regresso ao passado, nem tão pouco pelo isolamento e fecho da região. O que é necessário é alterar a natureza de preservação e divulgação. É preciso registar em letra de forma o que até agora passava de boca em boca. É preciso ouvir e anotar o conhecimento, do dia a dia, das tradições, do imaginário comum, dos sonhos e das vivências. É preciso escrever o que está na memória, própria ou alheia! Para depois ser lido, apreendido e replicado.
É o que está a ser feito por vários mirandeses numa dramática luta contra o tempo. Sobretudo as memórias alheias pois as mais ricas e completas são as dos mais idosos que, pela natural lei da vida, estão a desaparecer. É preciso garantir que a morte de um mirandês não represente um golpe rude e irreparável na cultura nordestina. Daí o empenho da Associaçon de la Lhéngua i Cultura Mirandesa com o seu projeto Ourrieta las Palabras.
Da memória própria vão tratando vários escritores. Como o António Cangueiro que, tendo apresentado a meio de agosto em Bemposta o seu livro mais recente, muito apropriadamente titulado como “Memórias Primeiras... A Viagem...” igualmente o deu a conhecer, na capital, esta semana, na Casa de Trás-os-Montes.
A maioria dos presentes era gente de Miranda. Alguns escrevem. É PRECISO QUE EDITEM! Não o fazerem é inaceitável. Imperdoável!

Para finalizar, o que afirmei no início desta crónica não é uma verdade imutável. Efetivamente, ao contrário do que me acontecia com os vários livros biligues, anteriores, estou a ler o António Cangueiro, diretamente no mirandês, usando a sua tradução para português, apenas para descobrir ou confirmar o significado de algumas palavras.

Edição
3910

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