Nordeste Transmontano - Entrevista a Rui Mário Lázaro

"Como transmontano, inquieta-me que, aqui, os cuidados sejam tão maus comparados com as grandes cidades"

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2021-09-02 12:42

Rui Mário Lázaro acabou de fazer 40 anos e é, desde dezembro, o presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, o mais representativo do setor e no INEM. Natural de Torre de Moncorvo, mantém uma forte ligação à terra de origem, de onde saiu para estudar.

 

Rui Mário Lázaro nasceu em Torre de Moncorvo há 40 anos mas de lá só saiu para seguir os estudos no Ensino Superior, no Porto. Começou por estudar eletrotecnia mas, em 2004, à boleia do Europeu de futebol que Portugal acolheu e organizou, apaixonou-se pela Emergência Pré-Hospitalar. Entrou para o INEM (Instituto Nacional de Emergência Médica) em 2006 e é, desde dezembro de 2020, o presidente do Sindicato dos Técnicos de Emergência Pré-Hospitalar, o mais representativo do setor e no INEM, onde já era vice-presidente, tendo assumido um mandato de três anos.

"Propusemos para este mandato rever a carreira, garantir melhores cuidados aos técnicos e que pudesse dar resposta mais eficaz e que assimetrias fossem reduzidas.

Enquanto transmontano, não me satisfaz que um doente de Freixo de Espada à Cinta, por exemplo, tenha cuidados de emergência médica limitados, demorados, quando o hospital de referência dista a mais de uma hora de distância, enquanto numa cidade grande, existem todos os meios e a cinco minutos de hospital de referência", disse ao Mensageiro.

"O que propomos é que seja alargada a técnica de emergência pré-hospitalar às ambulâncias dos bombeiros através dos protocolos existentes. Neste momento, INEM só tem ambulâncias nas cidades", frisou.

Neste momento, o distrito de Bragança tem apenas duas ambulâncias SIV (de Suporte Imediato de Vida), sediados nos Srviços de Urgência Básica (de Mogadouro e Mirandela) e tripuladas por um técnico e um enfermeiro.

O resto "são protocolos entre o INEM e os corpos de bombeiros", explica.

"O distrito não tem ambulâncias de emergência médica, que são tripuladas por técnicos de Emergência Pré-hospitalar, do INEM, que prestam também cuidados de emergência médica diferenciados, e que não está mais avançado porque o INEM está há cinco anos a atrasar colocação de equipamento e formação", referiu Rui Mário Lázaro.

"Por exemplo, em Bragança há um posto de emergência médica, tripulada por bombeiros, mas com formação inferior (170 horas mais estágio), o que fica muito aquém do que se exige a um país evoluído", aponta.

Uma das reivindicações antigas passa pela criação da carreira de paramédico, à semelhança do que acontece noutros países.

"Essa é uma discussão antiga. A publicação da carreira de técnico de emergência foi uma aproximação disso mas o INEM tem falhado. A formação deveria durar seis meses mas não há um único técnico com formação completa nem ambulâncias equipadas adequadamente para a sua implementação", acusa.

O presidente do Sindicato revela que tem havido negociações.

"Temos reunido com o Secretário de Estado para que se resolva rapidamente. Perdem-se vidas que deveriam estar a ser salvas e se têm perdido.
Por exemplo, uma pessoa com enfarte do miocárdio em casa, desloca-se ao local, faz eletrocardiograma e em cinco minutos coloca-se no hospital", explica.

Rui Mário Lázaro adianta que "em Trás-os-Montes, essa situação não existe. Em Freixo, vai uma equipa de bombeiros, desloca o doente para Mogadouro, onde, sim, será feito o diagnóstico e transportado para hospital de referência, que tanto pode ser Bragança como Vila Real ou Porto".
Por isso, propõe "que o eletrocardiograma seja feito em casa, o que permite que o diagnóstico seja logo feito em casa e o paciente transportado por uma equipa altamente especializada".

"Por exemplo, uma baixa de açúcar num diabético numa grande cidade é resolvida por nós, às vezes até com medicação que o paciente tem em casa, e no Interior não. E pode mesmo levar à morte", refere.

Atualmente, através da Autoridadede Proteção Civíl, que tem protocolos com bombeiros, "o Governo podia pegar nalguns destes elementos, dar-lhes formação e aproveitar o custo que Estado já tem com estas equipas e oferecer aos cidadãos cuidados de emergência pré-hospitalar melhores". "Foi o que aconteceu na maior parte dos países", sublinha.

Rui Mário Lázaro acredita que, "de uma forma geral, as pessoas do interior, por crescerem num meio com menos recurso e com menos acesso a tudo, são obrigadas a esforçarem-se mais para atingirem os objetivos".

"O facto de ter origens numa zona muito desfavorecida, sobretudo na emergência médica, faz-me ter vontade de contribuir para reduzir estas assimetrias e ter cuidados de emergência médica próximos e que salvem mais vidas.

Mantenho família em Trás-os-Montes e inquieta-me que os cuidados sejam tão maus comparados com grandes cidades", admite.
 Dos cerca de 1800 funcionários do INEM, cerca de 60 são transmontanos. Mas Rui Mário Lázaro avisa que, da maneira que as coisas estão, a taxa de abandono da carreira é cada vez maior.

" Atravessamos um momento em que atravessamos várias jornadas reivindicativas, para que nos deem melhores condições de trabalho, mais equipamento e melhores condições para prestar melhor serviço à população.

A taxa de abandono da profissão é de 30 por cento. Apesar das centenas de contratações que este Governo e o anterior permitiram ao INEM, não chegam para colmatar sequer as saídas.

Recentemente foi publicada a abertura de um concurso para 178 técnicos. Neste momento, o número de candidatos é bastante inferior ao número de vagas. Só há cerca de cem candidatos", explica.

Assim, "com a elevada taxa de abandono, corremos sérios riscos de ter o socorro à população em causa".
"Rever a carreira foi um dos compromissos que o Ministério da Saúde assumiu connosco na última reunião e esperamos que cumpra", lança.
O salário é um problema mas não o único.

" O nosso salário base é o que o Governo pretende atingir como salário mínimo (750€), o que é pouco para quem trabalha de dia, de noite, à chuva, ao frio, com a responsabilidade de salvar vidas.

As ambulâncias estão envelhecidas, há mesmo equipamento básico e barato que não se entende como o INEM não põe, como um aparelho de medir o nível de saturação de oxigénio, que se compra no supermercado.

Os próprios electrocardiógrafos foram retirados em 2016, e não foram substituídos. Não cumpriam os requisitos para trabalhar na rua. Foram mal comprados. A responsabilidade direta é deste conselho diretivo", acusa. E diz que "a gestão de recursos humanos tem sido péssima". "Há trabalhadores coagidos, perseguidos, já com processos em curso, e conselho diretivo não resolve", conclui.

 

Meios no distrito de Bragança:

1 VMER (Bragança)
1 Héli (Macedo)
1 Carro médico (em Macedo quando o héli não sai)
1 SIV (Mogadouro)
1 SIV (Mirandela)

 

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