A opinião de ...

50 anos de «Abril»: Balanço político e social. II.II.9. Cultura e Lazer

Nos planos plurianuais autárquicos e nos planos oficiais nacionais de contabilidade, a Cultura e o Lazer andam associados a Ambiente, Desporto e Educação Física. São áreas distintas, a última com um forte interface na de Educação para a Saúde. Mas Desporto é uma coisa, que pode ser boa ou má, e Educação Física é mesmo cultura corporal e actividade de promoção da saúde, se for bem realizada. Não é por acaso que os gregos, de quem herdámos quase tudo, de bom e de mau, integraram na beleza (arété) o vigor cultural e a saúde física implicando-se mutuamente. Deles herdámos também que o lazer é fundamental para a aquisição/realização das formas culturais. Já os romanos descomplicaram e traduziram tudo isto num provérbio: «mens sana in corpore sano» (mente sã em corpo são), o que fundamenta a obrigatoriedade da educação física nos currículos escolares e pela vida fora.
Mas Cultura é uma área muito mais vasta. Imaginemos que o nosso vigor intelectual é pujante aos 90 anos, então, aí, teremos o máximo de cultura que tenhamos adquirido porque o nosso cérebro transformou tudo o que aprendemos e vivemos, na família, na escola, com os amigos e inimigos e na vida, no trabalho, na actividade séria e no lazer, em capacidade cognitiva, compreensiva, interpretativa, extrapolativa, analítica e sintetizadora. Tudo isso se transformou integradamente em saber, em saber-estar e em saber-agir. Cultura é, então, o que sabemos, o como estamos na vida e perante os outros e o como agimos. Claro que também podemos ter noventa anos e não ter uma cultura superior a 20 anos, dependendo do que aprendemos e vivemos.
Por isso, é um erro reduzir a cultura à escola, aos museus, aos programas de exposições cinéfilas, pictorais, arquitecturais, artesanais, etnográficos, musicais, lectorais, literários, jogos florais, jogos tracionais, narrativas de contos e de lendas, programas de aprender a cozinhar e a comer, programas de exercício físico saudável, programas científicos de televisão, concertos, etc. . Porque cultura é tudo, mesmo tudo, e o que fazemos, a cada momento, constitui uma pequeníssima parte desse tudo.
Todos os governos e autarquias disseram e dizem promover a cultura: os programas de cinema, de teatro, de festivais de música e etnográficos no Estado Novo; os propósitos de incentivar a criação de novas formas culturais na III República, que, por artificiais, fizeram construir centros culturais, teatros, polidesportivos, fechando ali uma pequeníssima parte da cultura julgando-a um todo mas deixando a cultura popular em liberdade a consolidar os festivais de música popular e a actividade criadora de tantas associações cívicas como manifestação da riquíssima cultura popular que, de formas exotéricas, ri da cultura dos intelectuais entoando novas cantigas de amor, de escárnio e de mal-dizer, expressando vivências de catarse da cultura reprimida pelos oficialatos da cultura formal.
E, portanto, à luz da cultura oficial, este povo é inculto e não participante, quer na política quer nas actividades e dinâmicas sociais. Estultice: ninguém acredita que só 4% dos portugueses e portuguesas se interessem pelas coisas da cultura, do espírito e da política. Assim se exclui a cultura popular. Erro de palmatória que a República de Abril não corrigiu.

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3995

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