Mirandela

Classificação de interesse público da Serra de Santa Comba pode travar construção de Parque eólico

Publicado por Fernando Pires em Qui, 2022-10-27 10:55

Pode ser um volte face no dossier do Parque Eólico de Mirandela que tem sido alvo de muitas polémicas nos últimos meses.

Na semana passada, foi publicado em Diário da República (DR) o início do processo de classificação da serra de Santa Comba, a serra portuguesa com maior concentração de pintura rupestre, que se estende pelos concelhos de Mirandela e Valpaços, como Sítio de Interesse Público (SIP).

As pinturas foram descobertas por uma equipa de arqueólogos coordenada por Maria de Jesus Sanches, do departamento de Ciências e Técnicas do Património da Universidade do Porto.

Este anúncio resulta do parecer da Secção do Património Arquitetónico e Arqueológico do Conselho Nacional de Cultura, que já foi emitido a 16 de outubro de 2019.

A proposta abrange os sítios arqueológicos da Serra de Santa Comba, nas freguesias de Veiga de Lila e Valpaços, concelho de Valpaços, e nas freguesias de Suçães, Passos, Lamas de Orelhão e União das Freguesias de Franco e Vila Boa, no concelho de Mirandela, abrangendo a zona onde está prevista a instalação do parque eólico, aprovado há 12 anos, que prevê a instalação de seis geradores e um investimento de 30 milhões de euros.

Ora, além da classificação como SIP, o processo contempla ainda a fixação de uma zona especial de proteção (ZEP), que impede, segundo a lei, qualquer intervenção “sem prévio parecer favorável da administração do património cultural competente”.

Perante isto, arqueóloga Maria de Jesus Sanches entende que há mais um argumento de peso para o parque não ir avante. “Acho que já não podia antes e com esta zona especial de proteção evidentemente que também não pode, ou seja, não permite a instalação do parque”, afirma.

Aliás, na consulta pública que está a decorrer até 2 de dezembro, a arqueóloga entende que há o risco da área de proteção vir a ser alargada. “Se há algo a propor na consulta pública é no sentido do alargamento das áreas e nunca no encurtamento, porque o património arqueológico não desapareceu, ampliou-se e valorizou-se em termos de conhecimento”, acrescenta.

A presidente do Município de Mirandela, que já concedeu a licença de construção do parque, diz que estar a aguardar pelas decisões dos organismos oficiais. “A câmara vai sempre respeitar aquelas que forem as decisões oficiais. O que está em causa é a compatibilidade ou não de um investimento em energias renováveis e um investimento em património cultural. Dentro do quadro de responsabilidade que temos, quer perante possíveis indemnizações ou de tomada de decisão precipitada, vamos manter a boa-fé com que sempre fizemos tudo, esperando que a solução seja para benefício de todos”, diz Júlia Rodrigues.

No entanto, a autarca admite: “Se fosse hoje a decisão sobre o projeto, afirmo, sem dúvida, que poderia não ser a mesma que foi tomada em 2008, mas acredito que, à data, foi também feito com boa-fé de quem decidiu e a decisão pública tinha a mesma legitimidade que hoje teríamos para decidir, ou não, de forma contrária”, conclui.

Recorde-se que o município de Mirandela tem direito a um milhão e meio de euros de compensação com a construção do parque (já recebeu 500 mil) e a 2,5% da receita bruta anual da produção de energia, cabendo ainda um montante correspondente a 0,5 da mesma receita às assembleias de compartes das freguesias de Lamas de Orelhão e Passos.

O início do procedimento da classificação foi bem recebido por José António Ferreira, do PS - secretário da mesa da assembleia municipal - e por Jorge Humberto, da CDU, que há um mês tomaram uma posição pública a pedir a suspensão da instalação do parque eólico por entenderem que a Declaração de Impacte Ambiental subjacente à instalação do parque está “obsoleta” por reflectir o que tinha sido descoberto até 2014, não incluindo as novas pinturas rupestres descobertas nos últimos 8 anos. “Entendemos que esta publicação vem reforçar a nossa ideia que é preciso parar este processo para tomar uma decisão mais ponderada”, adianta José ferreira sublinhando que nada os move contra o parque eólico: “Sou favorável a novas energias limpas e alternativas no combate às alterações climáticas, como também a novas fontes de financiamento do Município, mas também sou favorável a todo um património arqueológico que nos foi deixado pelas nossas gerações ancestrais há mais de sete mil anos e que temos o dever de o salvaguardar e deixar para as gerações futuras e não pensar que dispomos da autoridade de permitir a instalação de um parque eólico em cima de um património cultural e arquitectónico que ali temos”.

Nos últimos meses um grupo de cidadãos tem contestado, com uma página nas redes sociais e uma petição que reuniu até ao momento cerca de 200 assinaturas, o anunciado início dos trabalhos de instalação na serra de um parque eólico.

 

Empresa diz ter todos os pareceres para avançar

 

Num extenso comunicado dirigido ao Mensageiro, a empresa que pretende instalar o parque eólico adianta que a exploração da estrutura “é perfeitamente compatível com outras atividades de prospeção e culturais relacionadas com o património arqueológico potencialmente existente na serra”.

Além disso, garantem que na fase da obra, “os limites dos sítios e ocorrências arqueológicas identificadas será devidamente sinalizadas e que a obra terá obrigatoriamente o acompanhamento arqueológico permanente e em caso de achado serão tomadas medidas conforme disposto na DIA”.

A empresa diz também que tem todos os pareceres legais para avançar com a obra.

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