Nordeste Transmontano

Seca deste ano pode ser pior do que a do ano passado e há culturas ameaçadas

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-05-04 11:50

“A verificar-se esta ausência de precipitação em maio, temos de pensar que estamos numa situação parecida ou pior do que no passado.” O diagnóstico é feito por Dionísio Gonçalves, climatologista e investigador do Instituto Politécnico de Bragança.

Sem chuva nas próximas semanas, e tendo em conta que o ano passado já foi seco, a situação pode tornar-se ainda pior e afetar diversas culturas típicas do Nordeste Transmontano e importantes para a economia da região.

“Relativamente aos frutos secos, no caso da castanha é muito cedo para se perceber se vai haver algum impacto. É preciso perceber que tivemos um ano de seca severa e este ano choveu um pouco em janeiro mas já estamos em seca novamente. Nas espécies fruteiras, a diferenciação floral não se faz no próprio ano em que aparecem as flores mas começa em finais de junho, julho, depois setembro, outubro do ano anterior.

Quando estão com elevadíssimas cargas de fruto e com stress extremo pode acontecer que o processo de indução floral seja muito afetado.
No caso dos castanheiros, podemos ter menos flores em resultado do ano anterior.

Também temos videiras com varas com muitas dificuldades em rebentar. Vai afetar a produção da vinha deste ano”, explica Albino Bento, do Centro de Competências de Frutos Secos, sediado em Bragança, e também investigador, na Escola Superior Agrária do IPB.

Mas também a cultura do olival será afetada pela falta de chuva.

“Com a Oliveira é a mesma coisa. As árvores tiveram um stress extremo no ano passado, é natural que este ano tenham um índice de floração mais reduzido porque têm poucas reservas para o arranque do ano. Podem é ainda vir a ser afetadas no final de maio na floração, se estiverem temperaturas muito elevadas”, acrescenta Albino Bento.
O investigador sublinha que, “regando, mitiga-se todo este problema” mas caso haja temperaturas altas na floração, “mesmo regando, a produção pode ser afetada”.

Esta semana, o Ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro, visitou o Instituto Português do Mar e da Atmosfera (IPMA) para se inteirar do ponto da situação. Segundo revelou aos jornalistas, as previsões do IPMA apontam para um mês de maio mais quente que o normal e sem chuva – após meses já marcados por temperaturas acima do normal e precipitação também abaixo do normal.

Associados a essas previsões estão os valores meteorológicos registados em abril e que o colocam entre os cinco mais quentes desde 1931 (92 anos): Três ondas de calor e com temperaturas superiores a 30 graus; o dia mais quente dos últimos 16 anos e que representou uma anomalia térmica à superfície; - O mais severo em termos de risco de incêndio desde 2003 (20 anos) e por larga margem. Com a diminuição acentuada da chuva que se tem verificado desde janeiro e em particular no sul do país, tendo mesmo sido quase nula no mês de fevereiro, constata-se que a percentagem de água no solo é quase nula em várias zonas de Trás-os-Montes, no cento e sul do continente, frisou o ministro.

De acordo com os dados do IPMA, desde 1941, pela primeira vez, este ano já houve quatro ondas de calor em Bragança, Mirandela e Carrazeda de Ansiães. Em 2003, Miranda do Douro também tinha tido quatro mas foi caso único.

Dionísio Gonçalves explica que estamos a viver “uma situação de anticiclone”. “Quando deixa de chover neste trimestre, as culturas de primavera/verão sofrem muito. Como as temperaturas estão mais altas este ano, vai agravar a situação de seca”, frisa.

A última vez que tinha havido uma situação semelhante foi nos anos de 1943/44. “Nessa altura, a quantidade de água necessária para manter a população que existia não era a mesma. Não havia tanta necessidade de água. Hoje consome-se muito mais água. Se não fossem as barragens do Alto Sabor, tínhamos problemas de abastecimento à população. É preciso um cuidado muito grande na utilização de água”, sublinha. Dionísio Gonçalves sublinha que “guardar água é importante mas saber utilizar a água é fundamental”.

No concelho de Bragança, a autarquia já candidatou a fundos comunitários projetos para três novas barragens (em Rebordãos, em Izeda e em Parada), mas que têm chumbado no Ministério da Agricultura.

Hernâni Dias, presidente da Câmara de Bragança, revelou, na Assembleia Municipal de sexta-feira, que já reuniu com a Ministra da Agricultura, que se comprometeu a marcar novo encontro para resolver o problema mas nunca mais deu resposta. “Depois dessa conversa, a ministra assumiu o compromisso de nos contactar e ficou essa responsabilidade diretamente no seu gabinete, para podermos conjuntamente resolver essas questões. Ficámos a aguardar e estamos a aguardar até hoje. Não tivemos qualquer contacto do gabinete da Senhora Ministra e aguardamos serenamente que nos contactem para tentar resolver a questão e ver se há possibilidade de financiamento destas importantes infraestruturas para o território”, frisou o autarca brigantino.

A Câmara de Bragança também se candidatou à compra de um camião cisterna para distribuição de água à população, “que ainda não chegou e está muito atrasado”. “Nem sabemos se conseguimos recebê-lo antes do período crítico. No entanto, estamos a trabalhar no sentido de garantirmos que tudo corre pelo melhor e não deixamos ninguém sem água durante o verão”, garantiu Hernâni Dias.

O autarca lembra que “no ano passado já foram tomadas algumas medidas preventivas, como a proibição de rega de jardins, de lavagem de arruamentos”. “Para além disso também a sensibilização da população para evitar o desperdício, seja na rega de jardins ou no enchimento de piscinas, por exemplo. Não permitimos que nenhuma piscina seja cheia com água da rede.

Vamos estar atentos a uma realidade que pode ser mais severa do que aquela que tivemos no ano passado.

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