A opinião de ...

Aos heróis não reconhecidos

A pandemia de SARS-CoV-2 permitiu reconhecer muitos heróis. Desde logo, os profissionais da saúde. Depois, os bombeiros, as polícias e o pessoal dos lares de assistência a idosos.
Porém, há gente anónima que, dia-a-dia, lutou e luta para que o país funcione; para que as famílias tenham paz e confiança. Essa gente, com vários grupos, é formada pelas crianças, pelas alunas, pelos alunos, pelas respectivas mães e pais, pelos professores, pelo pessoal técnico das escolas e pelas e pelos auxiliares de acção educativa.
Se as médicas, os médicos, as enfermeiras e os enfermeiros e os enfermeiros são os senhores da saúde e tendem a ser vistos como os guardiães da nossa vida, os grupos que gravitam em torno da educação, num total de quatro milhões e duzentas mil pessoas (refiro-me só aos envolvidos até ao fim do ensino secundário), são responsáveis por que os pais possam trabalhar e por que as crianças, as alunas e os alunos estejam em segurança, nas escolas.
As professoras e os professores, num total de 145.000 pessoas, garantem, silenciosamente, a aprendizagem dos mais jovens e o seu lugar seguro. A seu lado, o pessoal técnico (umas 10.000 pessoas) e o pessoal auxiliar de acção educativa (50.000 pessoas), garantem as condições de trabalho de professoras e de professores. Nem uns nem outros reivindicaram privilégios, louvores desproporcionados ou a atenção para um trabalho exigente, metódico e cada vez mais inovador. E, no entanto, também estão profundamente desvalorizados, material e socialmente.
Os professores e educadores reinventaram-se pedagógica e tecnologicamente, apetrecharam-se de meios informáticos à sua própria custa e, abnegadamente, transformaram-se em pedagogos, orientadores educacionais e assistentes ocupacionais. É da mais elementar justiça realçar o esforço destes grupos profissionais durante a pandemia.
As crianças e as alunas e os alunos sofreram a exaustão da solidão, a perda de referências identitárias dos seus pares, a falta de rede das internets (in)disponíveis, a angústia de não terem com quem partilhar as dificuldades, o sentimento do fracasso quando, sozinhas(os), não conseguiram resolver problemas. E, no entanto, não consta que tenha havido desacatos ou distúrbios por parte das crianças, das alunas e dos alunos. É, portanto, da mais elementar justiça realçar o esforço tremendo deste um milhão e meio de crianças e jovens, que demonstraram grande maturidade cívica.
Finalmente, os dois milhões e meio de pais e/ou encarregados de educação que, com trabalho ou sem ele, em layoff ou em trabalho, garantiram o sustento das famílias, quantas vezes sabe-se lá com que sacrifício, estudaram mais para ajudar os filhos nas dificuldades destes pois sabem que, as mais das vezes, é a família que faz a diferença no sucesso educativo, escolar, emocional e social das crianças e alunas(os).
Este texto é uma homenagem a heróis não reconhecidos ou pouco reconhecidos. Há uma falha colectiva no não reconhecimento dos heróis anónimos mas são eles que perpetuam a sociedade e a civilização. «Ditosa Pátria que tais filhos tem».

1António Ferro (1936) adaptando a frase de Camões, Canto VIII, estância 32, «Ditosa Pátria que tal filho teve», referindo-se a Dom Nuno Álvares Pereira).

Edição
3821

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