A opinião de ...

O milagre Paradoxal

 
Milagre é uma ação ou facto que a ciência não consegue explicar e que por isso se atribui a influência ou ação divina. Estando pois nos antípodas, sendo aliás a incapacidade de o enquadrar nas leis e regras da ciência que constituem a essência de qualquer milagre é da sua natureza que em ciência não haja milagres. E, contudo, paradoxalmente, em Portugal, parece não ser assim!
Acabo de regressar de uma reunião de trabalho, chocado com uma afirmação que ouvi a um colega ali presente. É certo que se tratava de notícia não-oficial, mas, infelizmente, nos tempos que correm e nestas matérias, este tipo de rumores acabam todos por se confirmarem. O professor universitário ligado à recém-criada Universidade de Lisboa (resultado da fusão do Técnico com a Clássica) garantia que uma “aclaração” recente de um organismo oficial iria fazer recair nas bolsas de investigação os cortes que se fizeram nos saláros da função pública! Sorri dizendo-lhe que isso era impossível! Como poderia ser? O ar sério dele, siderou-me!
Como pode ser possível?!
As bolsas de investigação científica não são atualizadas há mais de uma década. Têm vindo a ser reduzidas em valor real. Uma bolsa para um licenciado é pouco superior ao salário mínimo... que todos reconhecemos como escasso e cujo aumento é urgente não por questão de competitividade, mas de dignidade pura e simples!
A qualidade dos políticos portugueses tem vindo a baixar e este facto é reconhecido até pelos próprios. O reconhecimento das próprias limitações não é frequente e, normalmente só é feito pelos melhores ou então quando a evidência o impõe. Se a qualidade política desceu tanto que os próprio tão avessos a assumir erros e incapacidades a reconhecem é porque a diminuição foi grande, severa e é pública, notória e evidente. As razões apontadas para tal fenómeno são várias, mas a mais usada, reclamada e insistentemente apontada tem a ver com “os baixos salários que os políticos auferem” no nosso país!
Comparar o valor das bolsas de investigação com os salários  dos políticos mal pagos deste país é um exercício que me recuso fazer porque seria quase obesceno! E se mesmo assim não são suficientes para atrair os melhores (facto indesmentível pela observação simples da realidade) como podem continuar a clamar que a primeira aposta, a que tem de aparecer indubitavelmente em primeiro lugar, a única que nos pode garantir alguma sustentabilidade futura na sociedade altamente tecnológica e competitiva (e globalizada) actual é na ciência?  Será que a qualidade dos agentes politicos desceu tão baixo que até esta evidência lhes escapa e não a conseguem enxergar? Como é possível querer atrair não só os melhores mas os melhores de entre os melhores (é este o verdadeiro campo de recrutamento da ciência que se preze desse nome) oferecendo uma bolsa de investigação cujo valor, pasme se, é de 745 euros para um licenciado que terá de provar a sua excelente qualidade para a obter em concurso nacional. E que só um doutoramento bem sucedido (quatro a cinco de trabalho árduo e de altíssima qualidade provada perante exigente e qualificado júri) pode permitir que se ascenda a um valor inferior a 1.500 euros mensais! Só os melhores destes e depois de uma longa carreira bem sucedida lhes permitirá pertencer à “elite” com direito a aspirar ao “sumptuoso salário” de mais de 2.000 euros por mês! Todos eles sem regalias sociais de qualquer espécie!
É óbvio que se a “aposta na ciência” passa pela redução deste quadro é porque os seus autores acreditam piamente num milagre. Acontece que isso pode acontecer em qualquer domínio... exceto, precisamento, no científico! Se é do foro da ciência, não é milagre, garantidamente!
 

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