Nordeste Transmontano

Despovoamento deixa empresas sem mão de obra e a temer pelo futuro

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2023-09-07 10:54

Desalento. É o que sentem vários empresários do Nordeste Transmontano, que veem parte da riqueza produzida nesta região ser transferida para o litoral por falta de mão de obra que permita responder às solicitações do mercado.

“A riqueza que criamos aqui na região, transfere-se para o litoral. Fazemos cerca de 1,5 milhões de euros em compras em subcontratação. Esse dinheiro devia estar na nossa região. Mas devido à falta de mão de obra temos de comprar fora. Precisava de 50 ou 60 funcionários mas só temos 20. A própria região está a perder imenso. Não há grande esperança, a continuar assim.”

O desabafo é de Marco Nunes, responsável pela empresa Farvoli que, entre outras coisas, fabrica máquinas para a apanha de fruta.

“A dificuldade é recrutar alguém que tenha experiência na área. Temos de dar formação ao pessoal desde o zero. Ao fim de algum tempo vão-se embora e perdemos a pessoa e o rendimento. Passamos a vida a recrutar malta sem experiência. Esta é uma região pouco industrializada. Há pouca migração de pessoas de uma empresa para outra. Temos falta de serralheiros, de mecânicos hidráulicos, eletricistas, tudo”, sublinha, em declarações ao Mensageiro, o mesmo empresário.

“Temos de subcontratar muito material, como cortes a laser, materiais para quinar etc. Temos de recorrer à zona do Porto, Braga, Guimarães. Temos de pagar o serviço, pagar transportes, o que afeta a competitividade face a outras empresas concorrentes”, explica Marco Nunes, garantindo que este “é um problema que se vem notando cada vez mais e há muitos anos.

Falta cultura industrial

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Sendo esta uma região com forte pendor agrícola, são, ainda, poucas as empresas industrializadas. Um fenómeno que se começou a inverter, sobretudo, desde a instalação da Faurecia, que fabrica componentes para a indústria automóvel e que funciona em turnos de produção.

Outras empresas começaram a ter de se adaptar ao mesmo ritmo para serem fornecedoras desta multinacional mas, ainda assim, a mentalidade pouco evoluiu na região.
A queixa é de Pedro Santos, empreendedor e proprietário de uma fábrica de insufláveis em Bragança, a Factory Play, uma das maiores da Europa, e sócio de uma outra fábrica em Espanha.

“A grande diferença é cultural”, diz.

“Já tive pessoas que vieram aqui [à fábrica] e, ao final da primeira manhã de trabalho, vão-se embora porque não é o que pensavam.  Como não temos cultura industrial e as entidades locais não se preocupam em investir nesta matéria, as pessoas não conseguem ter uma rotina de trabalho diária”, lamenta.

Este problema faz aumentar os custos de produção e retira competitividade às empresas locais.

“Isso é um problema grave. Falta cultura industrial. Na nossa zona, um dos grandes problemas tem a ver com isso.

Ainda hoje tenho dificuldade em que as pessoas percebam que a produção começa às 8h30 e não é chegar à fábrica às 8h32”, atira.

Pedro Santos aponta como problemas o período de adaptação à empresa e à fábrica em si.

“Quem chega pela primeira vez, precisa de pelo menos três meses para criar habituação a estar em fábrica. E os processos de produção também são mais lentos, o que faz aumentar os custos de produção. Quem tem experiência a trabalhar em fábrica aprende mais rapidamente e é mais eficiente. O aumento dos custos de produção faz diminuir a nossa competitividade face à concorrência espanhola, por exemplo”, explica o empresário, natural de Vinhais.

Os apoios sociais como o Rendimento Mínimo, apesar de considerados “importantes” pelos empresários, “se não forem devidamente controlados”, acabam por permitir que muita gente opte por não trabalhar ou trabalhar de forma não declarada, à jeira.

Marco Nunes aponta uma maior aposta no ensino profissional como uma possível solução. “Nem toda a gente vai para a universidade mas estaria com uma formação. Essa passou para outras escolas, profissionais, centros de emprego. Mas isto não funciona. Hoje em dia ninguém quer ser carpinteiro, serralheiro. É uma questão de cultura. Isto não vive só de doutores e engenheiros”, sustenta.

“Há muita formação financiada e isso levou a que se procurem formandos sem interesse. No início, essas formações funcionaram porque as pessoas iam lá para ganhar algum dinheiro e não para aprender alguma coisa”, lamenta.

Este empresário, com fábrica em Mirandela, diz que seria importante uma “política de imigração que faça entrar imigrantes com capacidade”. “Deveriam exigir algum certificado e admitir pessoal com capacidades. Temos um problema demográfico enorme. Estamos a ficar sem população. As pessoas estão a abandonar as terras e o campo. A população está a desaparecer.

Os que têm algumas capacidades ou emigram para o estrangeiro ou para as cidades maiores. E não regressam. Ficam os medíocres, os menos capazes, que não conseguem fazer nada. Nem estudam nem têm grandes capacidades de trabalho.

Os melhores estão a abandonar a região”, sentencia Marco Nunes.

Construção e hotelaria são dos setores mais afetados

Um dos setores que mais sente este problema da falta de mão de obra é o da construção.

Miguel Isidoro é empresário em Bragança, sobretudo na área do gesso e revestimentos, e diz sentir muitas dificuldades em encontrar mão de obra na região.
“Sente-se muito. Tenho muitas obras, mas não tenho mão de obra, sobretudo especializada.

As pessoas que sabiam trabalhar saíram do país, emigraram. Não se consegue dar vazão. Lá vai aparecendo um ou outro, mas não sabem trabalhar. Poderia aceitar mais obras e não consigo”, sublinha.

Miguel Isidoro chegou a trabalhar em Espanha, país onde diz que “não sentia” este problema.
“Havia muita mão de obra.”

Em Portugal, revela que se tem agudizado “mais ultimamente”. “É uma profissão muito dura e os novos não estão para trabalhar nisto. Vêm alguns para experimentar e dizem que não querem isto. Há muita gente que não quer trabalhar. Os subsídios prejudicam muito”, acusa.

Certo é que a dificuldade em arranjar mão de obra na região levou já ao atraso em várias obras.

Isso mesmo é admitido pelo presidente da Câmara de Bragança, Hernâni Dias.

“Há determinados setores, sobretudo ao nível da construção, o que exige esforço braçal, em que tem havido dificuldade de recrutamento. E isso verifica-se não só na região mas a nível nacional e tem levado a que algumas obras derrapem na sua componente temporal. E isso representa atrasos para o município, na concretização de objetivos e na execução financeira dessas próprias intervenções”, disse.

E, para Hernâni Dias, este problema vai continuar a sentir-se. “Penso que, no futuro próximo, não será possível resolver esta questão, a não ser que se recorra a outro tipo de mão de obra, nomeadamente proveniente da imigração ou tomar outras medidas que levem a que pessoas que estão noutras circunstâncias possam dar esse contributo para as regiões e, sobretudo, para o país”, apontou.

“Temos várias obras em que, desde logo, o seu início foi atrasado. O que estava previsto começar em determinada data, iniciou-se com três, quatro ou cinco meses de atraso. Depois, na própria execução dessas intervenções, nota-se claramente que o número de trabalhadores que deveria ser afeto a essas obras não o é, precisamente pela falta de mão de obra”, explicou Hernâni Dias.

“Houve intervenções que fizemos na cidade e deveriam ter sido feitas mais cedo, como a da Estação. A obra que estamos a realizar na ponte do Remisquedo e que já se devia ter iniciado há mais tempo.

Houve um conjunto delas cujos problemas foram os que resultaram da falta de mão de obra”, apontou o autarca.
O Mensageiro contactou o Instituto de Emprego e Formação Profissional para um comentário sobre esta matéria mas, até ao fecho desta edição, não foi possível obter nenhuma resposta.

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