Nordeste Transmontano

Travão na economia transmontana ao nível do que aconteceu no início da pandemia e nos confinamentos

Publicado por António G. Rodrigues em Qui, 2022-10-06 11:20

Após seis meses consecutivos de crescimento, a economia transmontana sofreu um travão e há dois meses consecutivos que tem recuado.
Essa é a conclusão do Índice de Economia de Trás-os-Montes e Alto Douro (IETI), desenvolvido pelo economista Paulo Reis Mourão, investigador da Universidade do Minho, desde o final de 2017.

Em declarações ao Mensageiro, o investigador, natural de Vila Real, explica que  “houve crescimento nos primeiros seis meses do ano mas, desde então, o valor alcançado foi sempre inferior ao do ano passado”. Inclusivé, em setembro, temos duas reduções homólogas consecutivas, algo que o IETI já não tinha desde fevereiro de 2021, o início da pandemia”, adiantou.u observar que a economia da região tinha um comportamento à base de ciclos.

“Tinha um comportamento cíclico muito bem definido. A região tendia a ter aumentos líquidos de rendimento entre maio e agosto e, depois, havia picos nos meses do Natal e da Páscoa, com períodos de diminuição da circulação do rendimento nos meses de inverno”, disse Paulo Reis Mourão.

Habitação e obras públicas entrarão em turbulência

Agora, a tendência será de quebra.
“Verifico que houve melhoria significativa desde janeiro de 2022 até junho de 2022. A partir daí, a desaceleração acentuou-se e, sobretudo, podemos estar em fase de diminuição do produto e do rendimento se algo não for feito para inverter essa tendência”, frisa.

“De que forma é que se poderá inverter essa tendência? Essa é a 1 Million dollar question. Portanto, como permitir conforto para as famílias, dinamismo para as empresas e retorno a uma certa estabilidade económica? Por uma via, os decisores públicos serem garante de estabilidade política e de emitirem mensagens adequadas para os mercados e para os cidadãos. Depois, haver regulação de alguns preços básicos, evitando movimentos especulativos que piorarão a condição de vida das famílias. Finalmente, os Estados ficarem atentos aos mercados da habitação e das infraestruturas públicas, onde a agitação se fará sentir mais nos próximos tempos de turbulência”, defende.

Economista pede “prudência” aos bancos

O fim do verão trouxe um esfriamento da economia, mesmo se os números do turismo na região foram melhores do que os de 2019, no período pré-pandemia. No entanto, segundo o relato de vários operadores, o aumento das matérias primas, como alimentação e energia, acabou por absorver os ganhos das empresas. “Há já muito que não tínhamos dois meses com valores homólogos negativos, significando que os meses de agosto e de setembro de 2022 foram já mais ‘frios’ economicamente do que os meses de agosto e de setembro de 2021”, indica Paulo Reis Mourão.

Com a economia a travar e os custos a dispararem, o aumento das taxas de juro é a arma usada pelos bancos centrais para conter a inflação. Mas isso pode levar a um efeito pernicioso, com o aumento das prestações dos créditos a retirarem capacidade de compra às famílias e a diminuir a sua capacidade de endividamento, face ao aumento da taxa de esforço, medida pelos bancos na hora de analisar um pedido de crédito.

Por isso, o economista pede algumas cautelas.

“Entre a inflação e as taxas de juros existe uma relação parecida com os antibióticos e a habituação/resistência aos mesmos pelo organismo. As taxas de juro aumentam, também, para controlar o aumento da inflação (o denominado efeito da ‘regra de Taylor’). Agora, se a maioria da população estiver endividada, o aumento das taxas de juro piora nitidamente, agravando as condições de vida dessa maioria da população. Tem de existir muita sensibilidade na comunicação e muita prudência na decisão dos bancos centrais e dos governos”, alerta Paulo Reis Mourão.

Até porque, após alguns anos de valores historicamente baixos das taxas de juro, os próximos tempos vão trazer uma estabilização novamente em valores positivos. E isso, “nitidamente, piorará a vida das famílias”.

“Eventualmente as grandes fortunas poderão ter incentivos para a realização de aplicações indexadas às taxas mais altas e, inclusive, a evitar a fuga de capitais para um dólar mais forte. Mas a maioria das famílias (sobretudo com créditos à habitação) terão de negociar com prudência as suas dívidas. Espera-se, também, uma grande responsabilidade social do setor bancário, e uma grande atenção das entidades reguladoras para práticas de agiotagem ou de créditos oficiosos”, adianta o economista transmontano.

Paulo Reis Mourão acredita que a economia transmontana está tão exposta a esta situação como o resto do país, apesar de ter algumas especificidades.
“Nesse aspeto, está tão exposta quanto a economia das outras regiões. Apesar de ser uma região de vocação depositante (sobretudo suportada pelos depositantes pensionistas e outros pequenos aforradores), muitos pequenos empresários e muitas famílias correram para o crédito para o seu investimento no imobiliário, na aquisição de viaturas ou noutros destinos”, frisa.

Discurso pode ser mais pessimista do que a realidade em 2023

Apesar de uma conjuntura desfavorável, prejudicada pela incerteza do desenrolar do conflito na Ucrânia e nos efeitos que terá no abastecimento de energia à Europa durante o inverno, espera-se um ano de 2023 mais difícil para as empresas e as famílias. Mas Paulo Reis Mourão admite que o discurso nesta altura pode vir a ser mais pessimista do que a própria realidade.

“Existe ainda uma grande incerteza, com tendência para o discurso ser pessimista. Pode esta tendência pessimista tentar incutir comportamentos de atenção da população para os riscos económicos e, portanto, tender ou parecer tender agora a ser demasiado pessimista perante a realidade que se verificará em 2023. Mas, de qualquer modo, um desenvolvimento completamente irregular do conflito na Ucrânia, as pressões inflacionistas, o euro fraco, e a subida dos juros pode causar danos com repercussões no emprego ou na qualidade do emprego. Por outra via, não se esperam ciclos eleitorais pronunciados na União Europeia o que responsabilizará particularmente os Estados-Membros no sentido de um entendimento alargado para as soluções que se impõem”, sentencia o economista e investigador transmontano.
De qualquer forma, é certo que as famílias já começaram a sentir os aumentos de preços, sobretudo nas prestações de créditos e na energia.

Confinamentos trouxeram grandes quebras

Em 2020, no início da pandemia, Paulo Reis Mourão, em entrevista ao Mensageiro, apontava para uma quebra de sete por cento ao mês na economia provocada pela covid-19.

Mais de dois anos volvidos, as previsões confirmaram-se.
“Sim, esses valores calibrados deram os sete por cento de quebra do PIB (de acordo com algumas fontes) para Portugal em 2020. A economia transmontana acompanhou essa evolução, tendo havido momentos sinalizados como particularmente graves pelo Índice da Economia de Trás-os-Montes. Por exemplo: abril/2020 - queda de 100 pontos percentuais traduzido numa redução em mais de 80% do IETI de abril de 2019; maio/2020 - queda de 50 pontos percentuais face a maio/2019; fevereiro/2021 - queda de 68 pontos percentuais face a fevereiro/2020. Obviamente coincidem estes momentos críticos com os confinamentos e períodos subsequentes, o que mostra como a economia da região não fugiu ao cenário global”, conclui.

 

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