You’ll Never Walk Alone
Há gestos que não se traduzem em golos e em troféus e que não cabem mesmo em quaisquer estatísticas ou contratos milionários.
São gestos que nascem da alma de uma instituição e que, num momento de dor, revelam o que verdadeiramente significa ser grande.
Foi o que fez o Liverpool Football Club diante da trágica perda do nosso jogador de seleção Diogo Jota que não é apenas um ato de generosidade. É um testemunho silencioso, mas eloquente, da nobreza que ainda habita o desporto-rei.
Num tempo em que o futebol parece tantas vezes refém de interesses económicos, de rivalidades exacerbadas e até de vaidades exageradas, o Liverpool recorda-nos que o verdadeiro coração do jogo pulsa em valores humanos — na paixão e compaixão, na fidelidade e solidariedade.
Isto a propósito da sua decisão de, sem ter qualquer obrigação legal ou contratual, decidir continuar a pagar, mensalmente, durante os dois anos restantes previstos no contrato, o salário do malogrado Diogo Jota, assegurando à sua família condições de dignidade, estabilidade e, acima de tudo, o futuro dos seus filhos.
Não é um gesto fácil, usual e, muito menos, trivial! É um compromisso silencioso com a memória, com o legado, com a justiça afetiva. É o reconhecimento de que a vida de um jogador não se mede apenas pelos minutos em campo, mas pela história que ele escreveu entre os seus, pelos sonhos que deixou por cumprir e pelos rostos que ficam para trás, carregando a ausência como uma ferida aberta. Veja-se a romaria e as caras dos adeptos reds!
O Liverpool não teve qualquer responsabilidade nesta perda irreparável. Pelo contrário, sofreu inclusive um prejuízo considerável, a todos os níveis: humano, desportivo e financeiro. Contudo, não se refugiou na lógica fria do negócio, nem na prudência das convenções contratuais. Preferiu a ética do cuidado. Preferiu o bem.
E esteve presente nas cerimónias fúnebres, comovente e fraternalmente presente, desde o seu capitão e outros jogadores até às cúpulas diretivas, não como um clube que despede um profissional, mas como uma família que chora um dos seus.
Por isso, admiro o Liverpool que é isto mesmo: um clube que é uma família. Um emblema que se recusa a abandonar os seus, mesmo quando o apito final parece soar mais cedo do que o esperado.
Neste sentido, o lema “You’ll Never Walk Alone” não é apenas uma canção entoada em uníssono por milhares de vozes em Anfield. É uma promessa cumprida. Uma filosofia vivida. Uma mística que transforma um simples clube de futebol num lugar de pertença, de identidade, de humanidade.
Há muito que o Liverpool ocupa um lugar especial no meu coração como clube inglês de eleição. Não apenas pelas vitórias memoráveis (algumas infelizmente contra o meu clube de coração em Portugal), nem pelo seu ambiente absolutamente singular — onde a paixão não conhece condições e onde até os adversários são aplaudidos quando merecem, mas, sobretudo, porque permanece fiel a um ideal: o de que, em qualquer circunstância, a dignidade humana está acima de tudo.
Num mundo tantas e demasiadas vezes indiferente ao sofrimento dos outros, o Liverpool decidiu não virar a cara. Escolheu caminhar ao lado de quem perdeu. E ao fazê-lo, ensinou-nos que a grandeza verdadeira não se vê só nos campeonatos e taças ganhas, mas na identidade e carácter com que se está na vida e na competição.
O nosso Diogo Jota, homem humilde, trabalhador e respeitador, já não corre nos relvados de Inglaterra nem por Portugal, mas o seu nome continuará a ser honrado à maneira como sempre cantam, a plenos pulmões, os adeptos: nunca caminhará sozinho.