A opinião de ...

Moçambique

Há uns anos integrei uma equipa destinada a estudar e propor medidas para a requalificação e transformação cultural da ilha de Moçambique. Antes da partida, no intuito de levantar a ponta do véu sobre a emblemática ilha no quadro das navegações portuguesa retirei da prateleira Mangas Verdes Com Sal e Ilha do Próspero, obras escritas pelo poeta Rui Knopfili por a sua imagética ser luminosa e propiciadora de olhares perturbadores acerca do nosso e do Mundo que nos rodeia. A releitura afigurava-se-me essencial pois de Moçambique o véu só tinha sido levantado enquanto protagonizei dura e possessiva novela amorosa com uma rapariga vinda do colonato do Limpopo. A novela terminou de modo abrupto para desgosto meu no início, já que se veio a revelar benfazeja a todos os títulos e funcionalidades existenciais. O anexim – há males que vêm por bem – livrou-me do abismo onde poderia precipitar-me.
Após dias de reuniões em zig-zag a principiar a horas (influência sul-africana) partimos de avião até à agora martirizada Beira cujo aeroporto de graciosas linhas arquitectónicas fruto da necessidade de os portugueses responderem às exigência de uma guerra perdida de antemão pois tal como outros povos colonizadores os seus dirigentes não perceberão os ventos da história, as rugosidades e rasgões do território, a nocividade da burocracia mandante e os legítimos desejos da população não branca.
Novas reuniões em Nampula, novas exibições de vaidades académicas e de estuário, novas demonstrações de interesses de facções alimentadas por estados e empresas, ao fim de tão cansativas exaltações salivares ao estilo do MRPP do ortodoxo Arnaldo Matos, a carrinha que nos transportava levou-nos até à ilha cuja área comporta em boas condições quatro mil habitantes, nessa altura viviam lá onde ou doze mil fiéis do islamismo, catolicismo, protestantismo, hinduísmo e pequenos núcleos de outras religiões.
Ora, a requalificação passava pelo desígnio de conseguirmos boas soluções tendentes a levarem oito ou nove mil pessoas por sua livre vontade abandonarem o ancoradoiro das naus e galeões da rota da Índia. Fizemos o trabalho de campo, foi elogiado nas secretarias, dos efeitos nada sei, o melhor será nada saber.
A estadia na pátria de Gungunhana de que existirá memória no Museu Militar de Bragança, permitiu-me aquilatar a carência de quase tudo para as populações, a crescente presença do Islão, de sinuosas manifestações de racismo ao contrário, do enorme fosso entre a classe que manda e a que é comandada, das ciumeiras quantas vezes encapotadas de génese tribal, do mau comportamento de cooperantes e agenciadores de negócios e…da súbita riqueza, tal como em Portugal) de personalidades pesquisadoras de oportunidades. A arrogância de diplomatas e dos funcionários de agências disto e daquilo não difere das encontradas noutros países africanos. Sou relapso a saudosismos espúrios. A caminho de Joanesburgo a memória atravessou-se pondo à minha frente a imagem de José Maria Tudela a cantar Kanimanbo. Kanimanbo. Tudo é Kanimanbo!

Edição
3725

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