A opinião de ...

Bernardo Sepúlveda e os Alvores do Liberalismo em Portugal!

A 24 de agosto de 1820 ocorreu um pronunciamento militar no Porto, no seguimento de uma conspiração urdida pelo Sinédrio, associação secreta liberal. Pautado por uma coordenada conduta das operações, o seu sucesso a Norte alastrou depois a Lisboa. Por esta via, implantou-se o Liberalismo e viabilizou-se o Constitucionalismo em Portugal.
No centro deste processo esteve o brigantino Coronel Bernardo Sepúlveda, o operacional que, juntamente com o Coronel Sebastião Cabreira, proclamou a intentona e conduziu a ação militar. Natural de Bragança, onde nasceu a 20 de agosto de 1791, era filho do Tenente-General Manuel Jorge Gomes de Sepúlveda, o militar bragançano que, em junho de 1808, soltou o grito de revolta contra os franceses na frontaria da igreja de São Vicente. Assentou praça como Cadete no Regimento de Infantaria 24, em Bragança, onde exerceu funções e progrediu na carreira. Com cerca de 20 anos, participou na Guerra Peninsular (1808-1814), distinguindo-se como um militar corajoso e vocacionado para o comando de tropas em combate. Finda a guerra, foi promovido a Tenente-Coronel com apenas 22 anos de idade. Em dezembro de 1815, foi transferido para a 4.ª Divisão, com quartel-general no Porto, onde tomou contacto com as ideias liberais e o ambiente castrense contra a «britanização» da sociedade conduzida pelo Marechal Beresford, aproveitando-se da ausência de D. João VI no Brasil.
A 16 de agosto de 1820, no posto de Coronel, é nomeado comandante do Regimento de Infantaria 18, sendo sem surpresa que o Sinédrio o convida para o «clube». Desenvolve, no imediato, contactos de aliciamento de militares para se pronunciarem contra o «sistema» e, a 24 de agosto, em coordenação com outras unidades da 4.ª Divisão Militar, particularmente o Regimento de Artilharia do Coronel Sebastião Cabreira, formou o seu regimento na parada de Santo Ovídio, iniciando o pronunciamento e a proclamação de constituição de uma Junta Provisional e Militar. A adesão, militar e política, foi imediata, motivando a Junta a aliciar as unidades a Norte do Mondego, ao mesmo tempo que demonstrações de força anulavam resistências governamentais, nomeadamente na região beirã. A 15 de setembro, com a ocupação de Coimbra, quase sem resistência, a Junta do Norte lançou a segunda fase da campanha, o «assalto» a Lisboa. Dessa forma, ao Coronel Sepúlveda coube o comando da Divisão Ligeira, unidade de cariz operacional que tinha a missão de marchar como «testa-de-ferro» capaz de romper as resistências que se opusessem na aproximação à capital. O sucesso foi retumbante e Bernardo Sepúlveda e o Exército do Norte entraram em Lisboa, acolhidos pela aclamação popular. Isso numa altura em que um motim militar e popular tinha deflagrado na capital, anulando a possibilidade de o governo impedir o sucesso do pronunciamento iniciado no Porto. O Liberalismo impunha-se, Beresford abandou o país e D. João VI regressou a Portugal.
Bernardo Sepúlveda é promovido a Brigadeiro, escolhido para membro da Junta Provisional das Cortes, destinada a elaborar uma Constituição para o país, e o homem em quem recai a responsabilidade de zelar pela convergência de vontades entre as fações fundiária e militar do Norte e centralizadora e política de Lisboa. Destaca-se pela postura assertiva no relacionamento com os seus pares, numa altura em que as divergências emergem. Em 1822, votada a Constituição «vintista», assumiu o cargo de comandante militar de Lisboa e da Estremadura, sendo promovido a General.
É então que, a partir de 1823, emerge D. Miguel e a rainha D. Carlota Joaquina e a intenção de regresso ao Absolutismo. Bernardo Sepúlveda passa de herói a proscrito, sendo preso na sequência do golpe miguelista da Vilafrancada (julho de 1823). No ano seguinte, com o rei D. João VI e a rainha e o filho em campos opostos, a sociedade cinde-se entre absolutistas e liberais e Bernardo Sepúlveda, que mantém fidelidade ao monarca, não alinha pelos absolutistas, mas perdeu a simpatia dos liberais. Desiludido, retirou-se para França, morrendo em Paris, em 1833, sem nunca mais ter regressado a Portugal. Politicamente ingénuo e militarmente genuíno, este brigantino foi figura incontornável do sucesso do pronunciamento de 1820 e fautor do liberalismo português, tornou-se vítima do processo político que, dentro da coroa, dividiu o país em ideologias inconciliáveis e o mergulhou em guerra civil.

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